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Exame assinado por Jacqueline Iris Bacellar de Assis usa um registro profissional de uma outra pessoa. A biomédica, localizada pela equipe de reportagem do g1, diz que nunca trabalhou no Rio de Janeiro. O número de registro profissional que consta no laudo do Laboratório PCS Lab Saleme assinado pela técnica Jacqueline Iris Bacellar de Assis em maio desse ano pertence a biomédica Júlia Moraes de Oliveira Lima. O registro usado no carimbo do exame assinado por Jacqueline, e que atestou negativo para HIV em um dos 2 doadores de órgãos que acabou infectando pacientes transplantados, consta no site do Conselho Regional de Biomedicina como sendo de Júlia.
“Hoje mesmo o meu marido contou pra mim o que estava acontecendo e eu fiquei muito impactada com a história. Meu Deus, que coisa horrível está acontecendo com essas pessoas”, disse a biomédica, destacando que seu registro está desativado desde junho do ano passado.
O laboratório PCS foi apontado pela Secretaria Estadual de Saúde como responsável pelo erro em dois exames, o que culminou na infecção por HIV de seis pessoas que estavam na fila do transplante e receberam órgãos. O caso foi noticiado inicialmente pela Band News.
Até então, dois doadores infectaram os seis pacientes. Os exames feitos pelo PCS Saleme não detectaram a doença antes do transplante. Da paciente que teve o sangue analisado por Jacqueline, foram doados os rins e o fígado.
Ao procurar pelo nome de Jacqueline Iris Bacellar de Assis, não foi encontrado nenhum registro de biomédica.
O exame do outro doador que contaminou pacientes transplantados foi assinado pelo médico ginecologista Walter Vieira, que era responsável técnico do laboratório. Walter é marido da tia do ex-secretário estadual de Saúde e atual deputado federal, Doutor Luizinho.
O incidente é apurado por Ministério da Saúde, Ministério Público do RJ (MPRJ), Polícia Civil e Conselho Regional de Medicina (Cremerj), além da Polícia Federal.
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Com a suspensão das atividades do laboratório, o governo estadual decidiu contratar outra empresa para prestar os mesmos serviços de modo emergencial – ou seja, sem licitação.
A contratação foi autorizada na última quinta-feira (10). O documento, assinado pela diretora administrativa financeira da Fundação Saúde, considerou a urgência e os riscos que podem ser gerados pela paralisação do serviço e deixou claro que um outro contrato, seguindo as regras da lei de licitação, está em andamento.
Biomédica é artesã e mora em Recife
A dona do registro, que atualmente consta como cancelado pelo Conselho Regional de Biomedicina, foi localizada pela equipe do g1 e contou que nunca trabalhou no Rio de Janeiro, apenas exerceu a profissão em dois laboratórios particulares de São Paulo.
Atualmente, Júlia mora em Recife e trabalha com a produção e venda de velas artesanais. Segundo ela, o cadastro profissional não está mais ativo pela falta do pagamento de anuidade.
Laboratório recebeu mais de R$ 20 milhões do governo
O Laboratório PCS Saleme atendia ainda outras 10 unidades de saúde estadual.
Segundo o contrato ao qual a TV Globo teve acesso, o laboratório prestava serviços de análises clínicas e patológicas, com exames de sangue e de identificação de doenças como toxoplasmose, hepatite, sífilis e até câncer.
De 2022 até setembro de 2024, o valor empenhado pela Secretaria de Saúde em contratos com a PCS Lab era de R$ 21,5 milhões.
Segundo os documentos do pregão eletrônico, a média mensal de exames laboratoriais realizados por todas as unidades da rede é de mais de 69 mil análises. Somando as análises patológicas, que incluem biópsias em caso de câncer e outras doenças, o número pode chegar a 73 mil.
Sede do PCS Lab Saleme, em Nova Iguaçu
Rafael Nascimento/g1
Já os exames de anatomia patológica, que incluem análises de biópsias para identificação de câncer por exemplo, foram estimados em pouco mais de 4 mil por mês.
Eram atendidos pela PCS Saleme os hospitais estaduais Anchieta; Carlos Chagas; Eduardo Rabelo; Santa Maria, o Instituto Estadual de Cardiologia, o Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária, o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia, o Instituto Estadual de Doenças do Tórax, o Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro, além do Hemorio e da Central de Transplantes.
Apenas no mês de junho, no Hospital Estadual Eduardo Rabelo, o laboratório PCS Saleme alega ter feito mais de 43 mil análises, entre exames de sangue e testes patológicos. Somente nesta unidade, em junho, foram 147 testes de Hepatite e 143 de HIV, entre outras doenças analisadas.
Confira a lista completa das unidades atendidas pelo laboratório:
Hospital Estadual Anchieta (HEAN)
Hospital Estadual Carlos Chagas (HECC)
Hospital Estadual Eduardo Rabelo (HEER)
Hospital Estadual Santa Maria (HESM)
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC)
Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária (IEDS)
Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capliglione (IEDE)
Instituto Estadual de Doenças do Tórax Ary Parreiras (IETAP)
Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO)
Central Estadual de Transplante (CET)
Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ)
Transplante em janeiro
Seis pacientes são contaminados com o vírus HIV em transplante, no Rio de Janeiro
A situação foi descoberta no último dia 10 de setembro, quando um paciente transplantado foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado para HIV positivo; ele não tinha o vírus antes.
Esse paciente recebeu um coração no fim de janeiro. A partir daí, as autoridades refizeram todo o processo e chegaram a 2 exames feitos pelo PCS Lab Saleme.
A primeira coleta foi feita no dia 23 de janeiro deste ano — foram doados os rins, o fígado, o coração e a córnea, e todos, segundo o laboratório, deram não reagentes para HIV.
Sempre que um órgão é doado, uma amostra é guardada. A SES-RJ, então, fez uma contraprova do material e identificou o HIV. Em paralelo, a pasta rastreou os demais receptores e confirmou que as pessoas que receberam 1 rim cada também deram positivo para o HIV. A que recebeu a córnea, que não é tão vascularizada, deu negativo. A que recebeu o fígado morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, e a morte não teria relação com o HIV.
No dia 3 de outubro, mais um transplantado também apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV. Essa pessoa também não tinha o vírus antes da cirurgia. Cruzando os dados, chegaram a outro exame errado, o de uma doadora no dia 25 de maio deste ano.
O que dizem os envolvidos
Nota da Secretaria de Saúde:
“A Secretaria de Estado de Saúde informa que abriu uma sindicância para apuração rigorosa do processo de doação de órgãos dos dois doadores infectados pelo vírus HIV. As etapas da sindicância seguem em sigilo.
Cabe ressaltar que uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados e, imediatamente, foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados.
O laboratório privado, contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.
A Secretaria está realizando um rastreio com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório”.
Nota do PCS Lab:
“O laboratório PCS Lab Saleme informa que, desde o início da prestação de serviço à Fundação Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro, comprou cerca de 900 testes de diagnóstico de HIV recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa.
Em relação a Walter Vieira, o PCS Lab Saleme esclarece que ele é médico e farmacêutico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele esteve registrado no Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro como responsável técnico do laboratório até 26 de julho de 2024, quando foi substituído por Eliane Nunes Bandoli, também médica.
O laboratório reforça que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades; está à disposição das autoridades que investigam o caso; e dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares.
Em relação ao registro profissional de Jacqueline Iris Bacellar de Assis, este é um dos pontos que está sendo investigado pela sindicância aberta pelo laboratório.”