Amizade, aliança, romance – não importa como você chame, mas o amor de Davi por Jônatas é um dos mais belos da Bíblia


Neste artigo, o pesquisador da religião Jacob F. Love aborda sobre a relação entre Davi e Jônatas. Pintura do século 14 que retrata um encontro de Davi com Jônatas.
Domínio Público/Wikimedia Commons
Para a ideia de amor, o hebraico bíblico tem poucos sinônimos preciosos. No entanto, o hebraico da Bíblia pode comunicar uma rica sensação de amor: o amor de um homem por uma mulher, o amor de qualquer ser humano pelo seu próximo, o amor de Israel por Deus de Israel e o amor de Deus por todas as pessoas.
Como um estudioso da religião, no entanto, acredito que um dos maiores amores da Bíblia seja uma história de amizade: a intensa devoção entre o guerreiro Jônatas e Davi, que mais tarde se tornou rei de Israel e Judá. Para muitos leitores, o relacionamento deles representa um ideal platônico, enquanto outros veem algo mais.
‘Com todo o seu coração’
A palavra principal para expressar amor na Bíblia Hebraica é “ahavah”, da raiz “ahav”. Ela aparece, por exemplo, na descrição clássica do relacionamento entre Deus e Israel no Livro de Deuteronômio, Capítulo 6: “Amarás (v’ahavta) o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de toda a tua força.”
Existem vários lugares na Bíblia Hebraica que exigem que as pessoas cuidem umas das outras, independentemente da membresia em qualquer grupo, como uma tribo. Considere Levítico 19:34, que invoca o sofrimento dos israelitas como escravos no Egito: “Amarás o estrangeiro como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito: Eu sou o SENHOR, vosso Deus.”
A palavra “ahav” também é usada para expressar amor emocional, romântico e sexual, como em Gênesis 29, a história de Jacó e Raquel. O jovem serve a Labão, pai de Raquel, por sete anos em troca da mão dela em casamento – o que parece “apenas alguns dias por causa do seu amor por ela.” Mas Labão engana Jacó, fazendo-o casar com a irmã de Raquel, Lia, primeiro – e depois trabalhar mais sete anos por Raquel.
Um amor firme
Entre os poemas mais passionais da Bíblia Hebraica, está um que se diz ter sido pronunciado por Davi para Jônatas e seu pai, Saul, o rei israelita.
Os três se encontram pela primeira vez quando Davi, retratado como um jovem pastor, se oferece para lutar contra Golias, que é retratado como um gigante imponente, um campeão dos filisteus em batalha contra Israel. Surpreendentemente, Davi o mata com uma simples funda e pedra, e Saul encontra o rapaz.
“Depois que Davi terminou de falar com Saul”, o autor de 1 Samuel relata, “o corpo de Jônatas estava ligado ao corpo de Davi, e Jônatas o amou como amava a si mesmo.” A palavra hebraica que eu traduzo como “corpo” aqui é uma palavra notoriamente ambígua, “nefesh”, geralmente traduzida como “alma”, “vida” ou “personalidade.”
Muitos tradutores interpretam essa passagem como se Jônatas e Davi formassem um pacto, um acordo. Jônatas imediatamente remove suas roupas e armas e as dá ao outro jovem.
A lealdade deles é testada quando Saul se torna ciumento do crescente sucesso de Davi. No entanto, o vínculo entre os jovens é firme.
Jônatas eventualmente morre em batalha, e Saul comete suicídio. Davi compõe um belo poema de elogio lamentando ambos os homens, mas sua descrição de Jônatas é particularmente marcante:
“Jônatas encontra-se ferido sobre os teus altos. Estou angustiado por ti, meu irmão Jônatas; muito amado eras para mim; o teu amor por mim era maravilhoso, superando o amor das mulheres.
Como os poderosos caíram, e as armas da guerra pereceram!
A passagem usa um sinônimo raro de “ahav” quando descreve Jônatas como “muito amado”: “na’am”, sugerindo “amor”, “afeição” ou “agradabilidade.”
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Obra retrata a despedida de Davi e Jônatas.
Domínio Público/Wikimedia Commons
Rotulando o amor
O que Davi poderia ter querido dizer com “o teu amor por mim era maravilhoso, superando o amor das mulheres”? Não é surpreendente que muitos tenham se perguntado se isso sugere um relacionamento íntimo.
Isso pareceria contrariar as proibições sobre homossexualidade encontradas no Livro de Levítico. Uma coisa a se considerar, no entanto, é que Levítico é dedicado a questões sacerdotais. A proibição não é encontrada no Livro de Deuteronômio, que repete muitas das proibições encontradas em Levítico. Outra questão é se realmente sabemos o que a linguagem levítica significa: O que exatamente está sendo proibido aqui?
Uma coisa que podemos dizer com certeza é que o amor e as identidades LGBTQ+ existiram ao longo da história humana, independentemente do que sejam chamados. Várias culturas foram mais ou menos simpáticas à variação sexual, mas essa variação sempre esteve lá.
Davi teve muitas esposas. De fato, uma das histórias mais famosas sobre ele é sua depravação ao condenar um soldado, Urias, o hitita, a uma morte brutal para que Davi pudesse tomar a esposa de Urias, Bat-Sheva, como sua. Mas quem pode dizer se Davi estaria aberto a um relacionamento íntimo com um homem que ele essencialmente chamava de seu amado?
A vida de Davi foi repleta de tragédia, e sua família infame por escândalos – talvez nenhum maior do que a história de seu filho Amnon estuprando sua meia-irmã Tamar. No entanto, a tradição o reverencia como o maior rei de Israel e Judá, o autor de belíssima poesia e o pai do rei Salomão, que é creditado com o maior poema de amor bíblico, o Cântico dos Cânticos.
Gostaria de dar a palavra final aos sábios da Mishná, literatura rabínica escrita por volta do ano 250 d.C.:
“Todo amor que depende de algo, quando esse algo cessa, o amor falha; mas todo amor que não depende de nada nunca cessará. Qual é o exemplo de amor que dependia de algo? Tal foi o amor de Amnon por Tamar. E qual é o exemplo de amor que não dependia de nada? Tal foi o amor de Davi e Jônatas.”
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