
São Francisco do Sul, Itajaí, ao lado de Balneário Camboriú, Florianópolis e Laguna entraram na pesquisa. Coletas das ostras não foram feitas em áreas de cultivo, que tem ambiente monitorado. Pesquisa aponta contaminação na água do litoral catarinense
Cafeína, anti-inflamatórios, antibióticos, corticoides, pesticidas, hormônios, derivados de petróleo, entre outras substâncias, foram encontradas na água em nove pontos do litoral de Santa Catarina, apontou estudo feito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Duas espécies de ostras nativas também foram analisadas e houve indicativo de contaminação desses moluscos.
O doutor em bioquímica e líder da pesquisa, Eduardo Alves de Almeida, explicou, contudo, que as coletas das ostras não foram feitas em áreas de cultivo. Por esse motivo, não é possível aplicar as conclusões do estudo para as ostras cultivadas e comercializadas no estado.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
“Não podemos ser alarmistas, porque alguns estão em concentrações muito baixas, no nível de nanogramas, que talvez não sejam tão preocupantes pensando em efeitos agudos, mas a gente não conhece os efeitos crônicos, o que esses nanogramas presentes continuamente ao longo de vários anos podem estar causando nesses organismos”, declarou o líder da pesquisa.
Recentemente, outro estudo mostrou uma quantidade alta de cocaína encontrada na Lagoa da Conceição, um dos pontos turísticos mais conhecidos de Florianópolis.
A pesquisa da FURB foi feita em São Francisco do Sul, no Norte do estado, Itajaí, no Litoral Norte, Florianópolis e Laguna, no Sul.
O estudo foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da Universidade Regional de Blumenau (PPGBio/FURB). A pesquisa foi publicada este mês nos periódicos científicos internacionais Marine Environmental Reasearch e Science of Total Environment. Também foi divulgada pela própria FURB em 14 de fevereiro.
As coletas ocorreram no inverno de 2021 e verão de 2022. Elas foram feitas em região de mangue ou estuários (áreas de transição entre rio e mar). Esses locais muitas vezes não são exatamente “praias”, explicou a FURB.
Veja abaixo os locais das coletas:
Baía da Babitonga – Ilha dos Barcos – São Francisco do Sul
Baía da Babitonga – São Francisco do Sul
Foz do Rio Itajaí-Açu – Itajaí
Foz do Rio Ratones – Florianópolis
Mangue do Rio Ratones – Florianópolis
Rio Maciambú – Florianópolis
Foz do Rio Maciambú – Florianópolis
Perto da Lagoa do Noca – Laguna
Mapa mostra locais de coletas para pesquisa da FURB
Reprodução/FURB
O que foi encontrado
A cafeína, marcador importante de contaminação de origem humana, foi encontrada em todos os pontos analisados, tanto na água do mar, quanto no sedimento e nas ostras.
Além da cafeína, foram encontrados fármacos (anti-inflamatórios, antibióticos e corticoides, por exemplo), vários tipos de pesticidas, hormônios e derivados de petróleo, entre outras substâncias.
Outro achado relevante foi a identificação de pesticidas banidos há décadas no país. A presença desse material de utilização proibida não significa que eles estejam sendo usados atualmente, mas demonstra a persistência dessas substâncias no ambiente, explicou o doutor em bioquímica e líder da pesquisa, Eduardo Alves de Almeida.
Ele disse também que os contaminantes considerados “clássicos”, como metais pesados, por exemplo, já são amplamente estudados e tem sua utilização regulada pela legislação, tendo em vista os dados que podem causar.
No caso dos poluentes emergentes, eles são produtos decorrentes de atividades humanas cuja utilização e liberação no ambiente ainda não são reguladas.
“Mesmo em baixas concentrações no ambiente, eles podem ter efeitos importantes a longo prazo. Por não serem tradicionalmente estudados, não existe legislação, então não sabemos qual o limite de segurança, qual a concentração máxima permitida, que fiscalização deve ser feita. A gente não tem legislação ainda, porque eles são compostos relativamente recentes e de preocupação recente”, ressaltou o líder da pesquisa.
São exemplos de poluentes emergentes os medicamentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, microplásticos, entre outros.
Ostras
Ostras também foram analisadas em estudo da FURB
Reprodução/NSC TV
Além da água do mar, os pesquisadores coletaram para análise sedimentos e ostras de duas espécies nativas popularmente conhecidas como “ostras do mangue”: Crassostrea gasar e Crassostrea rhizophorae.
Em relação a esses moluscos, os pesquisadores analisaram, ainda, os chamados biomarcadores, que são alterações fisiológicas e metabólicas que podem indicar se um determinado organismo está desenvolvendo processos de defesa ou desintoxicação, por exemplo.
No caso estudado, a análise dos biomarcadores das ostras refletiu o padrão de contaminação identificado na água e indicou que esses organismos estão sendo afetados pela contaminação do ambiente.
Almeida ressaltou que as ostras analisadas para fins deste estudo foram coletadas em ambiente natural, não em locais de cultivo, que geralmente são posicionados em áreas mais distantes da costa e cujo ambiente é monitorado. Por esse motivo, não é possível aplicar as conclusões do estudo para as ostras cultivadas e comercializadas no estado.
Conclusão
Na avaliação dos pesquisadores, os níveis de contaminantes identificados e os biomarcadores das ostras analisadas indicam impacto de atividades humanas sobre os ambientes marinhos ao longo de toda a costa catarinense.
Além disso, o pesquisador explicou que, de forma geral, os pontos de Florianópolis (Baía Norte e Baía Sul) apresentam concentrações superiores de contaminantes em relação aos demais pontos, ainda que o cenário identificado seja de contaminação generalizada ao longo da costa.
“Não podemos afirmar categoricamente com 100% de certeza qual ponto é o mais poluído, porque depende do foco de observação. A cafeína, por exemplo, foi encontrada em maiores concentrações em Laguna. Outros contaminantes, como derivados de petróleo, foram mais encontrados na região de Florianópolis. A análise é complexa”.
Segundo Almeida, há relação direta entre a contaminação, os efeitos nas ostras e o grau de urbanização da área.
Contrapontos
O g1 entrou em contato com a Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), e não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.
O que diz a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan)
Confira abaixo a nota da Casan na íntegra.
A CASAN reafirma seu compromisso com a qualidade do efluente final de suas Estações de Tratamento de Esgoto, que seguem os parâmetros estabelecidos pela Resolução CONSEMA 182/2021. Essa resolução define condições, parâmetros, padrões e diretrizes para a gestão do lançamento de esgotos domésticos em sistemas de tratamento públicos e privados.
A Companhia ressalta ainda a importância da responsabilidade compartilhada em relação ao saneamento, e reforça a orientação de que imóveis em áreas atendidas por sistemas de esgotamento sanitário providenciem sua adequada ligação à rede coletora.
O que diz a Águas de São Francisco do Sul
Confira abaixo a íntegra da nota da concessionária.
A concessionária Águas de São Francisco do Sul inaugurou sua Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em junho de 2020 e, desde então, já implantou 122 km de redes. Atualmente, 10.103 imóveis da cidade (28% de cobertura ativa) estão interligados ao sistema de captação e coleta de esgoto.
Em São Francisco do Sul há praias com selos Bandeira Azul, com possibilidade de ampliar a medida que a implantação do sistema de tratamento de esgoto avança.
O projeto prevê 100% da cidade saneada até 2033.
A concessionária destacou a importância dos moradores ligarem as residências à rede de esgoto. “À medida que o sistema de coleta de esgoto está pronto e apto a ser interligado aos imóveis, e quando isso acontece é oficialmente comunicado ao proprietário do imóvel, é fundamental que a interligação seja, de fato, efetivada, o que muitas vezes não ocorre”.
O que diz o Semasa de Itajaí
O Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infraestrutura (Semasa) de Itajaí, questionado sobre a pesquisa, manifestou-se por nota:
O Semasa não capta no água no Itajaí-Açu. A captação do Semasa é realizada no canal retificado do Itajaí-Mirim; na verdade distante do Itajaí-Açu.
O Itajaí-Açu vem de Blumenau, com Itajaí sendo a foz. A captação do Itajaí-Mirim canal retificado vem de Brusque.
O que diz o IMA
O Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) se manifestou por nota. Confira abaixo:
O trabalho do IMA em relação ao monitoramento da qualidade da água para banho, segue os critérios de balneabilidade exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), sendo baseado na concentração da bactéria, Eschericia coli, como indicador da presença de contaminação fecal na água e tem o objetivo de informar aos banhistas os pontos considerados seguros, do ponto de vista sanitário.
As amostras são analisadas pelo método fluorogênico tendo como substrato o Colilert-18, conforme diretrizes do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 24ª edição, Método 9223 B que consiste na quantificação dos coliformes totais e Escherichia coli.
Conforme a Resolução Conama nº 274, de 29 de novembro de 2000, o ponto é considerado “PRÓPRIO” quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras coletadas nas últimas 5 semanas anteriores, no mesmo local, houver no máximo 800 Escherichia coli por 100 mililitros.
O ponto é considerado “IMPRÓPRIO” quando em mais de 20% de um conjunto de amostras coletadas nas últimas 5 semanas anteriores, no mesmo local, for superior a 800 Escherichia coli por 100 mililitros ou quando, na última coleta, o resultado for superior a 2000 Escherichia coli por 100 mililitros.
Portanto, são análises, critérios e métodos diferentes da pesquisa em questão, que detectou outros componentes que também podem ser encontrados a partir da presença do ser humano e também podem estar relacionado à questões de saneamento.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias