
Espaço inclui corredor ecológico que garante fluxo de animais em região de Mata Atlântica em área de proteção ambiental. Mapa, delimitado em 2018, não chegou a ser anexado a decreto que criou APA Aldeia/Beberibe. Área de Preservação Ambiental (APA) Aldeia/Beberibe, em Pernambuco
Reprodução/TV Globo
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) suspendeu a decisão liminar que proibia o governo do estado e a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) de autorizar construções e “qualquer intervenção humana” no Corredor Ecológico da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia/Beberibe.
Esse “corredor” corresponde a uma unidade de conservação criada para garantir o fluxo de animais entre os trechos de Mata Atlântica na região. Ele passa por locais onde estão previstas as obras do trecho Norte do Arco Metropolitano — que vai ligar o Polo Automotivo de Goiana ao Porto de Suape — e da nova Escola de Sargentos do Exército, que será construída em Paudalho, na Zona da Mata Norte do estado.
A decisão foi assinada pelo presidente do TJPE, o desembargador Ricardo Paes Barreto, e derruba uma liminar que havia sido concedida, na primeira instância, ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Cabe recurso.
No centro do debate entre o MPPE e o governo de Pernambuco, está a discussão sobre os limites geográficos do Corredor Ecológico. O mapa que delimita a área foi elaborado em 2018, ainda no governo Paulo Câmara, então no PSB, ao custo de R$ 843.489,84, o que equivale a R$ 1,5 milhão em valores atualizados, segundo o Fórum Socioambiental de Aldeia (entenda mais abaixo).
Mesmo concluído e tornado público, o mapeamento da unidade não foi anexado ao Decreto Estadual 34.692, de 2010, que criou a APA Aldeia/Beberibe. Nos autos do processo, o governo de Raquel Lyra (PSDB) disse que a delimitação da área de proteção ambiental precisa ser revisada (confira o histórico do caso abaixo).
Com 31 mil hectares, sendo 8 mil só de região nativa de Mata Atlântica, a APA Aldeia/Beberibe está localizada em oito municípios pernambucanos: Araçoiaba, Igarassu, Abreu e Lima, Paulista, Paudalho, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Recife.
O g1 entrou em contato com o MPPE, a CPRH, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e o Comando Militar do Nordeste (CMNE) e pediu para falar com porta-vozes sobre o assunto, mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve respostas.
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O que o desembargador disse a decisão?
No despacho, o desembargador afirmou que não viu nenhum indício de descumprimento de seu dever legal por parte da CPRH que justificasse o impedimento das obras, acolhendo os argumentos da gestão estadual (entenda mais abaixo).
Além disso, o magistrado considerou que, embora o decreto que cria a APA mencione a existência de um corredor ecológico, a delimitação da unidade nunca chegou a ser publicada.
“Ao impedir que o Estado de Pernambuco e a CPRH autorizem a construção de empreendimento público ou privado e/ou intervenção humana na área na área em questão, [a liminar anterior] não faz menção à identificação de qualquer dano concreto ao meio ambiente”, afirmou Ricardo Paes Barreto na decisão.
Procurado pelo g1, o TJPE informou que a decisão do presidente da instituição levou em consideração que a proibição poderia causar “grave lesão à ordem e à economia públicas”, já que afetava os projetos do Arco Metropolitano e da Escola de Sargentos.
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Como foi movida a ação?
A ação civil pública foi movida, inicialmente, pela Promotoria de Justiça Cível de São Lourenço da Mata com base num ofício encaminhado pelo Fórum Socioambiental de Aldeia;
No documento, a entidade civil argumentou que o governo do estado não anexou o mapa do Corredor Ecológico no Decreto Estadual 34.692, de 2010, que cria a APA Aldeia/Beberibe, pedindo a concessão da liminar para garantir a preservação da unidade;
Na ação, o MPPE disse que a falta do anexo no texto do decreto causa insegurança jurídica e também solicitou que a Justiça determinasse a anexação do mapa, garantindo a efetiva implantação do Corredor Ecológico;
O pedido foi atendido em setembro deste ano pela juíza Marinês Marques Viana, da 1ª Vara Cível da Comarca de São Lourenço da Mata;
Além de proibir a gestão estadual e a CPRH de autorizar “a construção de qualquer empreendimento público ou privado e/ou intervenção humana” na área, a juíza estabeleceu o pagamento de uma multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
O que o governo de Pernambuco alegou no processo?
Conforme o documento da decisão, o governo pediu a suspensão da liminar argumentando que:
A proibição configura “manifesto impedimento do exercício”, por parte do estado e da CPRH, de suas prerrogativas administrativas constitucionais, “em grave ofensa à ordem, à segurança e à economia públicas”;
Além de prejudicar a execução das obras do Arco Metropolitano, a decisão anterior impacta a construção da Escola de Sargentos, “projeto estruturante de interesse do estado de Pernambuco quanto da União”;
A ausência de publicação do anexo que conteria o mapeamento do Corredor Ecológico não decorreu de um “mero erro material”, mas sim “da necessidade de revisão dos parâmetros de delimitação” da unidade.
Corredor foi delimitado em 2018
Ao g1, o presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, Herbert Tejo, disse que a área do Corredor Ecológico da APA Aldeia/Beberibe está delimitada desde 2018, quando o governo Paulo Câmara contratou uma empresa para fazer o mapeamento.
“Eles [a equipe da empresa responsável] vieram, desenvolveram todos os estudos que o termo de referência requeria. Foi um processo extenso, com amplo envolvimento da sociedade civil. Foram dezenas de reuniões com a sociedade civil dos diversos municípios onde a APA está encravada e foi produzido um diagnóstico apontando o Corredor Ecológico”, afirmou o ativista ambiental.
Segundo Herbert Tejo, na época, o governo alterou o decreto de criação da APA fazendo referência ao Corredor Ecológico, mas o mapa feito pela empresa contratada nunca foi incluído no Anexo 3 do texto, gerando o impasse jurídico.
“O decreto original coloca como objetivo a criação do corredor ecológico. E por que o Corredor Ecológico? Porque essa unidade de conservação reúne um bloco de fragmentos de Mata Atlântica, que são residuais de mata desconectados. Então, o objetivo do corredor ecológico é fazer a conexão ou a reconexão dos diversos fragmentos para garantir um fluxo que permita que a fauna se desloque entre os fragmentos”, explicou o presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia.
Como autor do ofício que baseou a ação do Ministério Público, Herbert Tejo afirmou que o Fórum Socioambiental de Aldeia espera que o MPPE recorra da decisão.
“A representação foi do Fórum, mas a ação civil pública é do Ministério Público. O que o Ministério Público vai decidir eu não sei. Eles têm amplo material para recorrer”, comentou.
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