Número de animais mortos sobe para 44 desde o início da onda de incêndios no interior paulista, segundo Semil


Total de vítimas inclui apenas os socorridos nos centros de atendimento, mas pode ser ainda maior, considerando os que não chegaram a ser resgatados. Filhote de onça-parda chamado Benedito foi resgatado recentemente após ter se perdido da mãe e do irmão em São Joaquim da Barra (SP)
Cetras Ribeirão
A onda de incêndios que atinge o interior de São Paulo tem causado estragos significativos e colocado 48 cidades da região em alerta máximo para queimadas. De acordo com dados recentes divulgados pela Defesa Civil, o estado registrou, nesta terça-feira (10) oito focos ativos de incêndio nas cidades de Altinópolis, Bananal, Campos do Jordão, Cunha, Dois Córregos, Itirapuã, Mairiporã, Morungaba, Pedregulho, São Bento do Sapucaí, Santo Antônio do Aracanguá e Valentim Gentil.
A situação é ainda mais crítica quando se observa o impacto sobre a vida selvagem. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) do estado de São Paulo, desde o início da onda de incêndios, 74 animais silvestres foram recebidos na rede de 26 centros de atendimento organizados pelo governo, incluindo um filhote de onça-parda chamado Benedito, que foi resgatado recentemente após ter se perdido da mãe e do irmão.
O filhote de onça-parda havia se separado da mãe e do irmão ao tentar escapar do incêndio e acabou sendo atropelado em uma rodovia
Cetras Ribeirão
Benedito, um macho, foi resgatado na área rural de São Joaquim da Barra (SP) por funcionários de uma usina e levado para o zoológico de Guaíra (SP). O filhote havia se separado da mãe e do irmão ao tentar escapar do incêndio e acabou sendo atropelado em uma rodovia. Infelizmente, o irmão dele foi encontrado morto, e a mãe ainda está desaparecida.
Até o momento, infelizmente, 44 animais foram encontrados mortos devido aos incêndios, incluindo 6 periquitos-rei filhotes. Outros 30 animais seguem em tratamento. Entre os resgatados estão espécies como tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim, lobo-guará, gato-do-mato, macaco-prego, gambá e veado-catingueiro.
Tamanduá-mirim em tratamento por conta dos incêndios florestais recentes
Semil
Um dos casos mais graves na unidade de atendimento era o de uma tamanduá-bandeira, uma espécie ameaçada de extinção no Brasil. Esta fêmea adulta, chamada Vitória, sofreu queimaduras de terceiro grau nas patas e no focinho.
Apesar dos esforços para escapar das chamas, Vitória enfrentou um estresse extremo que afetou severamente suas funções vitais. Infelizmente, mesmo com o monitoramento contínuo 24 horas por dia e todo o cuidado dedicado a ela, Vitória não resistiu e faleceu na sexta-feira (6).
Fêmea adulta de tamanduá-bandeira sofreu queimaduras de terceiro grau nas patas e no focinho, e não sobreviveu
Semil
A Associação Mata Ciliar divulgou um balanço na última sexta-feira (6) dos animais atendidos nos últimos dez dias: 152 chegaram para atendimento e, destes, 28 foram vítimas de atropelamento, possivelmente tentando fugir dos incêndios.
Entre eles os animais que foram atendidos, está um filhote de veado com problemas respiratórios, encontrado sem a mãe em uma área queimada. O animal presentava parte da pelagem chamuscada pelo fogo e cheirava queimado e, por ter inalado muita fumaça, o filhote precisou receber oxigênio emergencialmente.
Filhote de veado-catingueiro encontrado em mata de Jundiaí inalou muita fumaça e precisou receber oxigênio emergencialmente
Associação Mata Ciliar Jundiaí
Além das cidades mencionadas com focos recentes de incêndios, é importante notar que áreas fora desses centros urbanos também foram afetadas. Pontos específicos como a Serra dos Cocais e o Pico das Cabras sofreram com queimadas recentes, o que demonstra a extensão e a gravidade da situação em todo o estado.
Serra dos Cocais
A Serra dos Cocais, situada entre a Região Metropolitana de Campinas e o Aglomerado Urbano de Jundiaí, é uma área natural de imensa importância tanto do ponto de vista natural quanto cultural. Esta região é formada por um conjunto de pequenas serras e picos, com a Serra dos Cocais sendo a principal. Ela serve como um limite natural entre os municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo.
Espécie endêmica e ameaçada da Mata Atlântica, tesourinha-da-mata já foi registrada na Serra dos Cocais
Ananda Porto/TG
A região possui cavernas graníticas ainda não catalogadas e várias nascentes e ribeirões, essenciais para o abastecimento de água dos municípios ao redor de Campinas e Jundiaí, que enfrentam períodos de grave escassez hídrica.
Em termos de biodiversidade, a Serra dos Cocais é um importante corredor ecológico que conecta fragmentos de Mata Atlântica e Cerrado.
Família de sagui-de-tufo-preto registrada na Serra dos Cocais
Ananda Porto/TG
“Essa diversidade permite a interação entre espécies que normalmente não se encontram juntas, como o pula-pula-assobiador e o matracão, ambos de Mata Atlântica, e o canário-do-mato, que ocorre em mata semidecídua. Além disso, no local também é possível observar espécies migratórias, como gaturamo-rei, gaturamo-bandeira e juruviara”, destaca o biólogo Arthur Gomes.
Esse contato entre diferentes biomas pode resultar em fenômenos raros, como a hibridização de aves e até mesmo o surgimento de indivíduos com características únicas, como um bilíngue encontrado na região por Arthur.
Espécie migratória, juruviara vem da Amazônia para o sudeste a partir de setembro e pode ser observada na Serra dos Cocais
Rui Randi
“Visualmente parecia ser um pula-pula-assobiador, mas a ave foi documentada emitindo cantos e chamados do pula-pula-assobiador e do canário-do-mato”, explica o biólogo.
De acordo com a Defesa Civil de Valinhos, na tarde de ontem (9) foi realizado um patrulhamento de mais de uma hora e não há mais focos de incêndio na área da Serra dos Cocais. A última informação da prefeitura é de que o fogo já tinha consumido 300 hectares de área verde.
Incêndio atinge mata da Serra dos Cocais, em Valinhos (SP)
César Cocco
O fogo pode destruir habitats, prejudicar a biodiversidade e afetar negativamente os processos ecológicos da região. Portanto, é crucial tomar medidas para proteger a Serra dos Cocais e preservar sua função como um corredor ecológico essencial, garantindo a sobrevivência das espécies que dependem deste ambiente único.
Suiriri-pequeno habita beira de mata secundária, restinga e de lagoa
Rui Randi
Pico das Cabras
O incêndio que começou na noite de segunda-feira (9) está devastando uma grande área de vegetação perto do Pico das Cabras, situado no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas (SP). Até a manhã desta terça-feira (10), o fogo já durava pelo menos 12 horas e se espalhou ao longo da Estrada do Capricórnio, que conecta Campinas a Morungaba (SP). Como resultado, alguns trechos da estrada estão bloqueados.
Incêndio atinge área do Pico das Cabras, no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas
Reprodução/EPTV
Segundo a Defesa Civil de Campinas, há risco real de as chamas alcançarem o Observatório Municipal João Nicolini, um importante centro de astronomia no Brasil. Além disso, o incêndio também atingiu uma parte do parque Pico das Cabras que se encontra em território de Morungaba (SP).
O Pico das Cabras é conhecido por sua rica biodiversidade. Recentemente, o Terra da Gente realizou uma corujada no local, destacando a presença de várias espécies, como a murucututu-de-barriga-amarela, a coruja-listrada, a corujinha-do-mato e a suindara.
Restrita à Mata Atlântica, coruja-listrada foi registrada pela equipe do Terra da Gente durante expedição noturna no Pico das Cabras
Leonardo Vilela/TG
O incêndio pode ter um impacto grave sobre esses animais e sobre o ecossistema da região, ameaçando seus habitats naturais e desestabilizando a vida selvagem local.
Previsão para os próximos dias
O cenário dos incêndios é alarmante. O Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Defesa Civil divulgou hoje (10) que uma massa de ar seco deve continuar até pelo menos o próximo sábado (14). Durante esse período, as temperaturas ficarão acima do normal e a umidade do ar permanecerá baixa na maior parte do dia.
Fenômeno com mudança de coloração no sol é indicativo do quanto a atmosfera está poluída
Rui Randi
Essas condições aumentam o risco de queimadas e incêndios em áreas vegetadas. Além disso, a falta de vento e a estabilidade atmosférica dificultam a dispersão dos poluentes, resultando em uma qualidade do ar ruim.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estado São Paulo registrou 806 focos ativos de incêndio em setembro até o último domingo (8), um número 2,1 vezes maior do que o total registrado no mesmo mês do ano passado. Além disso, agosto de 2024 estabeleceu um recorde histórico com 3.612 focos de incêndio, representando 64,6% do total de 5.586 focos registrados no estado até agora em 2024.
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