Mães de crianças autistas são detidas após protestarem na Secretaria da Saúde por direitos garantidos em Ação Civil Pública


Duas mulheres foram levadas para o 14º Distrito Policial após quebrarem o vidro de uma janela e danificarem uma bancada. Ato começou na Avenida Paulista e terminou na sede da secretaria, na mesma região; mães pedem fornecimento de medicamentos, atendimentos médicos e matrículas em escolas. Mães de crianças autistas protestaram nesta segunda-feira (6) na Secretaria da Saúde do Estado
Arquivo Pessoal
Duas mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram detidas e levadas para a delegacia nesta segunda-feira (6) após protestarem na Secretaria da Saúde do Estado, em Cerqueira César, Zona Oeste de São Paulo.
O protesto, que começou na Avenida Paulista, tinha como principal objetivo pedir que os direitos aos filhos garantidos por uma decisão judicial decorrente de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em 2000 sejam cumpridos (veja mais abaixo sobre a ação).
Conforme boletim de ocorrência, as duas mulheres foram autuadas por danos ao patrimônio público depois de quebraram o vidro de uma janela e danificarem bancada com um martelo. Uma funcionária relatou à polícia que quatro mulheres foram até a secretaria e ficaram “alteradas” após uma reunião no Grupo de Coordenação das Demandas Estratégicas.
Após as mães serem ouvidas na delegacia, elas foram liberadas. Em nota, a Secretaria da Saúde afirmou que está à disposição de todo e qualquer familiar de pacientes com transtorno do espectro autista (TEA) que recebe atendimento pela pasta.
“A SES lamenta o ocorrido na tarde desta segunda-feira (6) e a violência sofrida pelos profissionais de saúde, e enfatiza que preza pelo diálogo e a assistência humanizada dos pacientes”, disse a pasta.
Uma das detidas é Márcia Silva Santos, que mora em Osasco, Grande São Paulo. Ao g1, ela relatou que foi até a secretária pedir explicações, já que o filho de 11 anos não consegue autorização para receber cannabidiol nem se matricular em alguma escola.
“Nós não queríamos quebrar nada dentro da Secretaria da Saúde. Eu já venho nessa luta já há algum tempo. Meu filho tem 11 anos. Não está matriculado em escola nenhuma dentro do estado de São Paulo. [A secretaria] vem negando os direitos do meu filho. Vem negando o medicamento do meu filho. Nem só o do meu filho. Tem várias mães que estão aqui comigo que vem acontecendo tudo isso. Não sou só eu que estou sofrendo.”
E ressaltou: “A gente viver na cidade mais rica do país, e meu filho estar fora da escola é um absurdo. Eu não sei mais onde a gente vai buscar, porque a gente vai à Assembleia dos Deputados e fala que não é lá. Nós vamos à Casa Civil e fala que não é lá para a gente buscar o direito. Nós vamos à casa dos desembargadores e fala que não é lá para a gente buscar os direitos. Eu não sei mais onde buscar o direito do meu filho, porque meu filho está fora da escola. É 2025. Meu filho tem 11 anos, tem que estar matriculado na escola e custeado através da ação civil pública”, destacou.
“Nós não queríamos quebrar a Secretaria da Saúde. A gente não queria fazer isso. Mas a situação da gente é uma situação triste. Triste. Eu não aguento mais”, ressaltou Márcia.
Ela afirmou também que os danos na recepção da Secretaria da Saúde ocorreram depois que ninguém foi conversar com ela e outras mães sobre a situação dos filhos.
“Não veio ninguém a conversar com a gente, não veio secretário, não veio a secretária dele, não veio ninguém. Quando a situação ficou insustentável, nós quebramos janela, macetamos a bancada da Secretaria da Saúde. Nós não queríamos estragar patrimônio, mas nossa situação, que está com nossos filhos, de não ter um tratamento digno, numa escola digna, vem causando tudo isso.”
Mães de crianças autistas protestaram nesta segunda-feira (6)
Arquivo Pessoal
Shirley Botelho estava no protesto com Márcia. Ela não foi levada para a delegacia, mas chegou a passar mal durante a confusão.
Ao g1, ela ressaltou que a situação ocorreu justamente porque ninguém se importou a falar com elas.
“A única coisa completa que tem para o autista é a Ação Civil Pública. E eu estou batendo nisso aí desde 2021, depois que eu peguei o diagnóstico do meu neto. Minha filha já tentou suicídio, meu neto é autista nível 3 de suporte, e eu estou correndo. Protocolei aqui e eles não querem executar. Em maio, eu fiquei três dias aqui, dia 8, 9, e no dia 10. Não tem escola preparada, não tem terapia, não dão medicação, não tem transporte, e os autistas têm crise. Os maiores batem, eles se mutilam”, ressaltou.
Direitos garantidos
Tanto Shirley quanto Márcia estão sendo acompanhadas pelo advogado Adriano Santos. Ele ressaltou que elas e outras mães lutam para que se cumpra a Ação Civil Pública que condenou o estado de São Paulo a disponibilizar atendimento adequado nas áreas da saúde, educação e assistência social a pessoas com TEA.
A ação foi proposta pelo Ministério Público do Estado em 2000. A decisão foi dada pelo juiz em 2001 e confirmada pelo Tribunal de Justiça em 2005, tendo transitado em julgado em 2006.
O estado foi condenado a providenciar unidades especializadas próprias e gratuitas para o tratamento de saúde, educacional e assistencial às pessoas com autismo, em regime integral e parcial especializados para todos os residentes em São Paulo.
Desde 2014, houve uma batalha judicial travada pelo estado pela derrubada dos benefícios assegurados pela ação. Até que, em 18 de dezembro de 2023, a Defensoria Pública de SP divulgou que havia obtido decisão favorável no Tribunal de Justiça de São Paulo para manter a condenação decorrente da ação civil pública.
A decisão atendeu a um recurso tanto da Defensoria e do Ministério Público, que também se opôs à extinção dos benefícios.
Na época, o Núcleo Especializado de Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria (Nediped) informou que o estado não havia implementado políticas públicas adequadas para pessoas com TEA.
“Não há serviços no SUS que garantam o atendimento e nem serviços especializados conveniados, tanto que, inclusive, se juntou nesta ação civil pública informação sobre lista de espera nas conveniadas da região de Campinas”, explicaram na época a defensora Renata Flores Tibyriçá e o defensor Rodrigo Gruppi, da coordenação do Nediped, em nota divulgada pela Defensoria.
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