Documento ao qual o g1 teve acesso revela que forças de segurança do estado tinham conhecimento prévio do planejamento de confrontos entre os times. Clima de guerra deixou população com medo de sair de casa no sábado (1º). Torcedores do Santa Cruz e Sport entraram em conflito antes de jogo no Recife no sábado (1º)
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Os casos violência extrema protagonizados por membros de torcidas organizadas em diversos bairros do Recife, no sábado (1º), já eram de conhecimento das forças de segurança de Pernambuco. É o que mostra um relatório da Delegacia de Polícia de Repressão à Intolerância Esportiva (DPRIE), responsável por reprimir crimes relacionados aos jogos de futebol, ao qual o g1 teve acesso.
Elaborado antes da partida, o documento deveria auxiliar a Secretaria de Defesa Social (SDS) a evitar que os episódios de violência acontecessem.
Após os confrontos do sábado, ao menos 12 pessoas foram internadas no Hospital da Restauração (HR), vítimas de agressão física. Neste domingo (2), quatro permanecem na unidade, que não divulga o estado de saúde das vítimas. Entre elas, um homem que foi espancado, teve as roupas arrancadas e foi violentado sexualmente com uma barra no meio da rua. Vídeos que circularam durante todo o dia nas redes sociais mostravam um cenário de guerra na cidade, e a população ficou com medo de sair de casa.
Em um dos trechos do documento da Polícia Civil, o texto aponta que os membros das torcidas estavam confeccionando armas caseiras e marcando “pistas” – como são chamados os pontos para brigas de rua entre os integrantes (veja abaixo).
Documento da Polícia Civil mostra conhecimento prévio do plano de confronto entre as torcidas
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“Vimos que os envolvidos se preparam para possíveis confrontos no dia 01/02/2025, aguardam com bastante expectativa. Como também conseguimos informes que os integrantes preparam bombas caseiras e barrotes com pregos para lesionar o rival com o maior dano possível, bem como danificar patrimônios privados e públicos no deslocamento até o estádio”, informa o relatório da Polícia Civil.
Em entrevista coletiva após a onda de violência entre as organizadas, ainda no sábado, o secretário de Defesa Social Alessandro Carvalho afirmou que “não houve nenhuma falha no policiamento” e que os conflitos poderiam ter acontecido em qualquer ponto do grande Recife, devido ao grande número de torcedores.
“Nós temos uma escolta que é feita das torcidas organizadas, só que isso pode irromper em qualquer lugar da Região Metropolitana. Foram 27 mil pagantes, se deslocando de vários locais, então o confronto pode ocorrer em qualquer ponto. Tinham 654 policiais, todos os recursos disponíveis da Região Metropolitana foram empenhados nessa ocorrência”, disse o secretário, na ocasião.
A alegação do chefe das forças de segurança do estado, no entanto, ignora o relatório da Polícia Civil que demonstrou que os confrontos estavam sendo marcados antecipadamente através das redes sociais e eram de conhecimento da corporação. Um dos vídeos, ao qual o g1 teve acesso, mostra o momento em que as duas uniformizadas se encontram no percurso, mesmo escoltadas pela Polícia Militar (veja vídeo abaixo).
Trajeto de organizadas se cruzaram mesmo com escolta da PM
Após os confrontos, a torcida do Santa Cruz, envolvida nos episódios de violência, publicou uma nota pelas redes sociais afirmando que “adotou todas as medidas cabíveis para garantir a segurança de seus integrantes e da sociedade como um todo”.
O grupo publicou também um documento protocolado junto à Polícia Militar apontando qual trecho seria seguido pela organizada, inclusive, com menção ao bairro da Torre, na Zona Oeste, onde grande parte dos conflitos aconteceram (veja imagem abaixo).
Uniformizada no Santa Cruz informou trajeto da torcida antecipadamente à Polícia Militar
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O g1 entrou em contato com a Secretaria de Defesa Social (SDS) questionando se a torcida organizada do Sport também anunciou antecipadamente qual trajeto seria seguido. Também foi questionado por que, mesmo com o mapa do trajeto a ser seguido e uma escolta da PM com cada torcida, os dois grupos se encontraram. A SDS não respondeu até a última atualização desta reportagem.
Em nota atualizada neste domingo (2), a Polícia Civil informou que:
A Polícia Militar encaminhou 32 pessoas, envolvidas nas brigas entre as torcidas do Santa Cruz e Sport, às Delegacias de Polícia Civil, na Capital e Região Metropolitana do Recife;
Antes do jogo, cerca de 650 pessoas foram conduzidas até o Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque);
Após revista, 14 torcedores foram conduzidos à Central de Plantões da Capital (Ceplanc);
Dos 14 conduzidos à Ceplanc, seis foram presos em flagrante delito e encaminhados para audiência de custódia. As demais oito pessoas, entre maiores e menores, tiveram procedimentos lavrados (TCOs), em seu desfavor;
Quatro pessoas foram autuadas em flagrante na Delegacia de Paulista;
Outras três pessoas foram presas em flagrante, no Cabo de Santo Agostinho, após um confronto no município;
Os casos serão investigados pela Delegacia de Polícia de Repressão à Intolerância Esportiva;
De acordo com informações do Hospital da Restauração, quatro pacientes, vítimas de agressão física, seguem internados na instituição, com quadro de saúde estável.
Punição
Como resposta à onda de violência causada pelas brigas entre as torcidas organizadas, o governo de Pernambuco anunciou, na noite do sábado (1º), a proibição da presença de torcedores em cinco jogos do Santa Cruz e do Sport. A medida foi publicada, no mesmo dia, em uma edição extra do Diario Oficial.
O documento determina que as próximas cinco partidas do Santa Cruz e do Sport, organizadas pela Federação Pernambucana de Futebol (FPF) e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no estado, sejam realizadas com “portões fechados”, sem torcida.
Além disso, o Ministério Público de Pernambuco recomendou que os clubes realizem o cadastramento biométrico de seus torcedores.
Após a medida, o Sport suspendeu a venda de ingressos para o jogo da próxima terça-feira (4), contra o Fortaleza, pela Copa do Nordeste, e anunciou que vai recorrer à Justiça da punição imposta pelo Governo de Pernambuco. O clube também criticou a proibição da torcida em cinco partidas por conta dos conflitos.
De acordo com a apuração do ge, a tendência é que o Santa Cruz também vá à Justiça pedir a suspensão da medida. Ainda não há posição oficial do clube sobre a medida.
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