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Governo anunciou teto para direcionar valores dos financiamentos em pesquisas em saúde do NIH para custos de infraestrutura e universidades. Bloqueio chega a US$ 4 bilhões. Governo Trump vem anunciando medidas que impactam orçamento em pesquisas nos EUA
REUTERS/Kent Nishimura
Desde o início do governo Trump, cortes e medidas rigorosas têm impactado a ciência nos EUA. O país é o maior produtor de pesquisas médicas, o que gera impacto mundial. Recentemente, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principais financiadores desses estudos, anunciaram um corte bilionário
A medida afeta a pesquisa, o atendimento a pacientes, os empregos e até as universidades. Embora tenha sido revertida na Justiça, pesquisadores brasileiros no país relatam um cenário de incerteza.
➡️ O NIH é um dos principais financiadores federais de pesquisas em saúde, mantendo estudos sobre para tratamentos do câncer, transplantes e vacinas, entre outros, com pesquisadores de ponta – já que suas bolsas estão entre as mais concorridas do país.
Na sexta-feira (7), os NIH anunciaram uma mudança na política de bolsas, reduzindo o limite de gastos para o que chamam de “custos indiretos” para 15%. Esses custos englobam energia, água, laboratório, equipamentos e equipe administrativa, por exemplo. O impacto imediato é de US$ 4 bilhões.
➡️ O governo alegou que a mudança tem o objetivo de focar o dinheiro na pesquisa em si. Mas pesquisadores brasileiros que estão no país afirmam que é impossível seguir com os estudos sem a infraestrutura necessária.
As decisões recentes colocam em risco a pesquisa sobre saúde no país. Fazer pesquisa é muito caro, mas sobreviver a uma doença pode ser ainda mais. Como cientista, vejo o que está acontecendo com preocupação.
O impasse impacta não só os pesquisadores, mas também as universidades, a economia e empregos diretos e indiretos ligados à bioindústria. Em alguns estados americanos, todo um ecossistema de indústrias conectadas às pesquisas gera milhares de postos de trabalho.
A medida anunciada na sexta-feira entraria em vigor já na segunda-feira (10), pegando todos de surpresa, mas acabou sendo suspensa pela Justiça em 22 estados.
NIH nos Estados Unidos
AP Photo/Jose Luis Magana, File
Abaixo, nesta reportagem você vai ler:
O que é a medida?
Quais são os impactos?
Como isso afeta pesquisas de brasileiros?
O que trata a decisão da Justiça?
O que é a medida e quais os impactos
O NIH reúne mais de vinte institutos que abordam diversas áreas da saúde. O órgão financia pesquisas responsáveis por avanços em saúde pública, vacinas, tratamentos contra o câncer, cirurgias, medicamentos para o coração e diabetes, entre outras áreas. É um nome de grande relevância para a pesquisa no país e um dos principais meios federais para obtenção de orçamento para estudos – além de ser um dos mais concorridos.
💵 No ano passado, o NIH injetou US$ 35 bilhões em pesquisas em instituições pelo país. Quando uma pesquisa é aprovada, o orçamento pode ser utilizado de duas formas:
➡️ Custo direto: engloba material, equipamentos específicos e até salários das equipes de pesquisadores. Segundo o instituto, essa é a maior parte do custo.
➡️ Custo indireto: inclui infraestrutura, como ar-condicionado, eletricidade, recursos de computação, descarte de resíduos perigosos, equipes administrativas e tudo o que dá suporte para a execução das pesquisas. Esses valores também são destinados às universidades, onde muitos desses laboratórios estão localizados.
Harvard cobrava uma taxa de mais de 60% dos financiamentos.
Getty Images
Até a última sexta-feira (7), não havia um limite estabelecido para os custos indiretos. Segundo o NIH, a média desse tipo de gasto é de 30%, mas, em algumas instituições, o percentual ultrapassa 60%.
Essa variação ocorre porque nem todas as universidades no país possuem a infraestrutura específica de que os pesquisadores precisam, e itens como energia, espaço e equipamentos podem ter custos diferentes. Assim, cada universidade e instituição de pesquisa historicamente negociou sua taxa de custo indireto com os NIH e outras agências federais de financiamento.
➡️ No caso de Harvard, por exemplo, de cada US$ 1 de financiamento recebido, a universidade fica com US$ 0,69.
Em 2024, dos US$ 35 bilhões destinados a pesquisas em 2,5 mil instituições, US$ 9 bilhões foram gastos com custos indiretos.
Com o anúncio, o NIH decidiu limitar todas as pesquisas financiadas, já valendo para esta semana, sem dar tempo para que pesquisadores e instituições se preparassem para a mudança.
Esta taxa permitirá aos beneficiários da bolsa uma recuperação razoável e realista dos custos indiretos, ao mesmo tempo em que ajuda o NIH a garantir que os fundos da bolsa sejam, na medida do possível, gastos para promover sua missão. Esta política será aplicada a todas as bolsas atuais para despesas futuras a partir de 10 de fevereiro de 2025, bem como para todas as novas bolsas emitidas.
🔴 No documento, o NIH ainda deixou uma mensagem: poderia aplicar essa taxa de forma retroativa, ou seja, exigindo que pesquisadores devolvessem valores milionários já investidos, mas optou por não fazê-lo.
“Não aplicaremos este limite retroativamente à data inicial de emissão das bolsas atuais para IHEs, embora acreditemos que teríamos autoridade para fazê-lo”, escreveu o órgão.
Após a repercussão, o órgão usou as redes sociais para afirmar que a nova taxa ainda era maior do que a permitida por instituições privadas – outra importante fonte de financiamento.
No entanto, empresas e instituições privadas adotam essas taxas justamente porque a maioria dos grandes centros recebe financiamento federal, que prevê uma margem maior. No caso da fundação mantida por Bill Gates, por exemplo, o limite é de 10%. Mas, em seu site, a fundação explica que mantém essa taxa porque a maioria das instituições beneficiadas também recebe financiamento federal.
Estados Unidos são referência em pesquisas na área médica
Joe Carrotta para NYU Langone Health/via Reuters
Quais são os impactos?
O NIH estimou que o impacto orçamentário da medida será de US$ 4 bilhões já neste ano. Desde o anúncio, a decisão vem sendo criticada pela comunidade científica e por autoridades estaduais, que destacam alguns pontos:
Impacto direto nas pesquisas em andamento e futuras
A medida entraria em vigor já nesta semana, o que significa que pesquisadores com orçamentos previamente aprovados precisariam rever seus custos e ajustar as contas. Isso pode resultar, por exemplo, na reestruturação de equipes e até em cortes.
Outro ponto crítico é que as pesquisas iniciais seriam as mais prejudicadas. Professores em início de carreira e pós-doutores atuam nesses laboratórios apoiando equipes para avançarem em seus estudos e estruturarem suas próprias pesquisas. Com os cortes, muitos podem não ser mantidos, o que pode significar menos cientistas e, consequentemente, menos pesquisas no país.
Impacto nas universidades e institutos
Especialistas apontam que essa mudança altera a estrutura da produção científica nos EUA. Desde os anos 1940, as instituições recebem a verba para custos indiretos do orçamento federal, o que contribui para a manutenção dos laboratórios e incentiva a abertura de novos espaços para pesquisas. Com esse corte bilionário, programas acadêmicos podem ser impactados.
🔴 No processo contra a medida, os procuradores explicam que a Universidade da Califórnia seria uma dos mais afetadas, pois recebe US$ 2 bilhões em fundos de pesquisa do NIH. O valor mantém centros de tratamento de câncer e têm financiado pesquisas inovadoras, incluindo a invenção da edição genética e o primeiro tratamento de radiação para câncer, segundo o processo movido contra a medida.
🔴 O presidente de Harvard, Alan M. Garber, declarou que a verba indireta é essencial para a manutenção de laboratórios importantes e que “reduzir esse financiamento cortaria a atividade de pesquisa em Harvard e em quase todas as universidades de pesquisa do nosso país”.
🔴 A universidade de Yale, que segundo o NIH retém 67,5% com custos indiretos, disse que a medida coloca em risco as pesquisas em saúde e atendimentos.
Atualmente, os custos indiretos sustentam as instalações e a infraestrutura que permitem que mais de 38.000 pacientes participem de mais de 2.000 ensaios clínicos. Entre esses ensaios, 280 são focados em terapias contra o câncer, 80 envolvem saúde mental e cuidados comportamentais, e 50 estão relacionados a doenças cardíacas.
Yale também informou que, em 2024, gastou US$ 432 milhões em pesquisa — mais que o dobro do valor recebido em reembolsos de custos indiretos do NIH.
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Geração de emprego e impacto na economia
Autoridades estaduais também estão preocupadas que os cortes possam prejudicar suas economias e resultar na perda de milhares de empregos.
➡️ O NIH disponibiliza em seu site um mapa que mostra o impacto da pesquisa científica em cada estado dos EUA. Na Califórnia, por exemplo, o maior estado do país, há 55 mil empregos ligados à pesquisa e mais de 300 mil na bioindústria.
Massachusetts, que se intitula a “capital da pesquisa médica do país”, recebeu do NIH US$ 4,5 bilhões em fundos de pesquisa, destinados a estudos sobre câncer de pâncreas, hipertensão e asma grave. Segundo o próprio órgão, há mais de 131 mil empregos na bioindústria gerados por pesquisas e 4,6 mil empresas vinculadas ao setor.
O estado é um dos que entrou com ação judicial contra o governo para impedir o bloqueio do orçamento. “Não permitiremos que a Administração Trump mine ilegalmente nossa economia, prejudique nossa competitividade ou faça política com nossa saúde pública”, declarou em nota a procuradora-geral do estado, Andrea Joy Campbell, também democrata.
Daniel Dahis é pesquisador em um hub em Harvard
Arquivo Pessoal
Como isso afeta pesquisas de brasileiros?
Não se sabe ao certo quantos pesquisadores brasileiros estão nos Estados Unidos, mas centenas deles vão ao país para tentar acelerar suas pesquisas, justamente, por causa de financiamento.
O brasileiro Daniel Dahis, PhD em Engenharia Biomédica, é um deles. Ele se formou em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, desde então, vem fazendo pesquisa fora do Brasil. Hoje, ele está em Harvard, onde trabalha com a pesquisa para o desenvolvimento de um biomaterial que pode ser a solução para a hemorragia.
🔎 Em sua pesquisa ele desenvolve uma espécie de “band-aid” para orgãos internos. O gel pode ser usado para fechar cicatrizes em cirurgias e feridas para a retiradas de pólipos (tumores benignos), por exemplo. A substância funciona como um selante que, no corpo, fica semelhante ao tecido, o que minimiza o risco de perfuração e eventos de sangramento tardio. Já foram feitos testes em animais.
Sua pesquisa está sendo feita em um hub que fica dentro de Harvard e no fim de 2024 foi incluído entre as ações apoiadas pelo NIH, com um repasse de US$2 milhões.
No seu caso, os custos indiretos representam de 30% a 50% do orçamento total. Por exemplo, uma bancada no laboratório onde ele está tem custo mensal de US$ 4,5 mil dólares.
Ninguém faz pesquisa comprando reagente e misturando líquido. A gente precisa pagar equipamento, infraestrutura. A minha pesquisa que envolve cinco pessoas tem custo indireto de alguns milhares de dólares, imagina as demais iniciativas. Como cientista, eu vejo com muita preocupação.
Dahis explica que sua equipe e pesquisa ainda são pequenas e, por isso, não conseguem galgar espaço no financiamento privado. E que, como ele, muitas outras iniciativas ainda pequenas podem apoiar tratamentos de milhares de pessoas e desenvolver soluções para doenças que afetam a todos também começam assim.
“Tirar a verba acadêmica é jogar gasolina em uma situação que é difícil. Fazer pesquisa é muito caro, exige investimento e é um processo complexo para nós pesquisadores”, conta.
Abesse pesquisa sobre transplante de olhos na Universidade de Miami
Arquivo Pessoal
🔎 O brasileiro Daniel Adesse, PhD em biologia molecular, está na universidade de Miami onde faz parte de um grupo de pesquisa que estuda transplante de olhos. A pesquisa pode ajudar pessoas que perderam a visão por câncer, acidentes, casos de degeneração macular avançada ou glaucoma.
Sua pesquisa também é financiada pelo NIH. Adesse não quis dizer quanto do valor banca custos indiretos, mas disse que eles representam parte importante. Ele explica que, de forma geral, a mudança na política de financiamento pode ter impacto para a produção de ciência em todo o país.
É um corte bem substancial e isso pode representar demissões e menos financiamento. Acho que as universidades vão acabar revertendo esses prejuízos para os pesquisadores, fechando laboratórios que não conseguem se manter. É um prenúncio de que esse vai ser um tempo difícil.
O que acontece após a ação na Justiça?
Os procuradores-gerais de Massachusetts e de outros 21 estados processaram o governo pedindo na Justiça que a medida do NIH fosse bloqueada. Na ação, alegaram os riscos para os estados e instituições.
“Sem o alívio da ação do NIH, o trabalho de ponta dessas instituições para curar e tratar doenças humanas será interrompido”, afirma o processo .
A Justiça deu parecer favorável e ordenou que os estados apresentassem um relatório de status em 24 horas, além de atualizações a cada 15 dias para confirmar o desembolso regular dos fundos. No entanto, uma audiência para debater o assunto está marcada apenas para 21 de fevereiro.
A decisão também só inclui os estados envolvidos no pedido, como Massachusetts, onde está Yale; Connecticut, onde está Harvard e Maryland, onde está o Instituto John Hopkins. Outros 28 estão de fora.
O processo é o mais recente de uma série de ações judiciais que desafiam as políticas do presidente Trump. Ainda na segunda-feira, outro juiz federal ordenou que o governo Trump liberasse trilhões de dólares em subsídios e empréstimos federais, incluindo do NIH, que haviam sido congelados.