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Em Gelsenkirchen, moradores resistem ao avanço do partido Alternativa para Alemanha (AfD), que ganhou especial popularidade em meio ao declínio econômico da região do Ruhr e da indústria do carvão. Voluntários se uniram para revitalizar o bairro de Ückendorf, em Gelsenkirchen, na Alemanha.
Oliver Pieper/DW
Gelsenkirchen é a cidade mais pobre da Alemanha, o que se traduz em ruas e parques tomados por lixo e na proliferação de apartamentos vazios. A taxa de desemprego na cidade é de 14%, muito acima da média nacional, em torno de 6,4%. A renda média anual de seus habitantes é a mais baixa de toda a Alemanha, inferior a 18 mil euros (R$ 108 mil).
Mas mesmo entre os moradores da cidade que têm uma ocupação, a renda não é suficiente: uma em cada quatro que trabalham na cidade vive da previdência social.
“Gelsenkirchen tem uma história diferente de qualquer outra cidade alemã. Ela se tornou rica e próspera com uma rapidez impressionante. E então veio o colapso estrutural extremamente brutal”, conta a prefeita Karin Welge. A cidade integra a região do Ruhr, polo da indústria pesada alemã e maior área metropolitana do país.
“Antes de 1960, tínhamos quase 400 mil moradores aqui. Com as mudanças estruturais, esse número despencou para 258 mil na época da crise financeira. Metade dos empregos que pagavam contribuições para o seguro social foi perdida.”
Durante a era do “milagre econômico” da República Federal da Alemanha (RFA), entre as décadas de 1950 e 1970, a cidade prosperou. Ela atraiu “trabalhadores convidados” (gastarbeiter) da Polônia, Itália e Turquia e chegou a se tornar a mais importante produtora de carvão da Europa.
Em 2008, a última mina de carvão da cidade, Westerholt, encerrou suas operações, após meio século de declínio gradual dessa indústria.
Cofres vazios
Enquanto o carvão ficou para trás, os setores de serviços e educação seriam o futuro. Mas Gelsenkirchen enfrenta o mesmo impasse que muitas outras localidades alemãs: não há dinheiro para bancar essa transição.
De acordo com Welge, governo estadual da Renânia do Norte-Vestfália, que estipula quanto a cidade pode gastar. não tem autorizado novas contratações na administração pública nem liberado os investimentos necessários. “Não construímos uma escola aqui desde a década de 1970”, lamenta a prefeita.
AfD lucra com os problemas da cidade
Além disso, a ampliação da União Europeia em 2007 aumentou o fluxo de imigrantes da Bulgária e da Romênia, sobretudo de baixa escolaridade, que não foram devidamente integrados à sociedade local.
Isso tem consequências políticas: a região do Ruhr era tradicionalmente um reduto do Partido Social-Democrata (SPD), do atual chanceler federal, Olaf Scholz, de centro-esquerda, ao qual Karin Welge também pertence. Mas foi-se o tempo em que o SPD conseguia 60% dos votos nas eleições.
Em seu lugar, tem ganhado terreno o partido populista de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). A partir de 2017, desconfiança e a islamofobia registraram um aumento dramático na região que já foi considerada uma das mais multiculturais da Alemanha.
“A reputação que Gelsenkirchen teve durante anos, de ser um caldeirão de integração bem-sucedida, com uma boa história de imigração para contar, rapidamente se transformou no oposto. E isso abre caminho para forças radicais”, constata Welge.
Contrariando tendências
Se existe alguém representa e entende a história de Gelsenkirchen com todos os seus altos e baixos, é Reinhold Adam. Hoje com 79 anos, ele trabalhou nas minas desde adolescente, fez um estágio, e depois trabalhou como eletricista na mina Nordstern.
Nessas instalações, ele hoje faz visitas guiadas. Suas histórias sobre os mineiros e sua camaradagem muitas vezes trazem lágrimas aos olhos dos visitantes, alguns dos quais vêm de lugares tão distantes quanto Canadá, Japão e Austrália.
Depois que a mina foi fechada, em 1993, construiu-se um parque paisagístico no ambiente industrial de 100 hectares, que todos os anos recebe 200 mil visitantes. Há uma área de escalada, um anfiteatro e uma torre sinuosa com uma plataforma de observação de 83 metros de altura. Os visitantes que apreciam a vista panorâmica sempre se surpreendem por Gelsenkirchen ser tão verde, diz Adam com orgulho.
Apesar dos muitos esforços para tornar a vida em Gelsenkirchen realmente atraente, o AfD obteve 21,7% nas eleições para o Parlamento Europeu em 2024, ficando a apenas 1.600 votos do primeiro lugar.
“A solidariedade sempre foi um ponto forte na região do Ruhr; na verdade, era vital entre os mineiros. Mas, infelizmente, ela se perdeu. Antes, as pessoas buscavam soluções; hoje, a primeira coisa com que se preocupam é encontrar alguém para culpar.” Na sua opinião, “nem sempre podemos pedir ajuda à cidade e ao estado, temos que agir nós mesmos”.
Moderna e multicultural
A rua Bochumer, no distrito de Ückendorf, é um dos lugares onde a população tem agido. Prédios dilapidados e em ruínas no que antes era uma região intransitável foram transformados num bairro “modelo e criativo”, com cafés, galerias e uma igreja que foi convertida em local para eventos.
A revitalização contou com trabalho de vários voluntários; a Sociedade de Renovação da Cidade (SEG) e o estado da Renânia do Norte-Vestfália subsidiaram projetos e compraram propriedades para ajudar a dar nova vida ao distrito.
Uma das voluntárias é Kirsten Lipka. Desde que a situação atingiu seu ponto mais baixo em 2016, as coisas estão melhorando no distrito, diz ela: “Hoje em dia, até mesmo estudantes de Colônia estão se mudando para cá porque não têm dinheiro para morar lá”, diz Lipka. “Teve quem voltasse de Berlim, dizendo: ‘A gente não gosta mais tanto de lá.’ Ückendorf ainda tem uma espécie de inocência.”
Frank Eckardt, que nasceu em Gelsenkirchen e hoje é professor e pesquisador na Universidade Bauhaus-Weimar, considera Ückendorf uma dádiva de Deus.
“Durante décadas, houve um sentimento de grande resignação aqui. Você tinha a sensação de que nada estava sendo feito, estávamos falidos. Do ponto de vista psicológico, é muito importante ter agora um lugar onde se vê que algo está acontecendo. Mas ainda não chegamos a um ponto em que se diga: ‘Por que sair de Gelsenkirchen, aqui é tão legal!”