
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que cenário foi motivado por um mercado de trabalho aquecido, com melhora da renda, e pelo aumento nas concessões de crédito, em meio a incentivos do governo. Por outro lado, gastos públicos preocupam. O taxista Igor Dezan e a farmacêutica Aline Ribeiro reformaram e equiparam o apartamento. Consumo de bens duráveis ajudou a impulsionar o PIB de 2024.
Arquivo pessoal
O taxista Igor Dezan, de 31 anos, e a farmacêutica Aline Ribeiro, de 29, ficaram noivos em setembro de 2023. Dois meses depois, decidiram comprar a casa própria. A melhora na renda permitiu que conseguissem, já em 2024, reformar e equipar todo o apartamento, na zona leste de São Paulo.
Primeiro, vieram os materiais de construção, incluindo argamassa, pisos e azulejos. Depois, os móveis e eletrodomésticos: cama, sofá, televisão, micro-ondas e geladeira.
“Nós parcelamos os eletrodomésticos. O orçamento só não ficou tão apertado porque as parcelas do apartamento não ficaram muito altas e deixamos de gastar com bobagens”, diz Dezan.
“Além disso, nossa renda aumentou. Eu trabalhei por mais horas, e a Aline foi promovida no emprego. Isso também facilitou.”
Casos assim ajudam a explicar o crescimento de 3,3% na Indústria e de 4,8% no Consumo das famílias em 2024, componentes de oferta e demanda que colaboraram com a alta do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.
O índice que calcula a soma de todos os bens e serviços produzidos no país avançou 3,4%, conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira (7).
“Para o consumo das famílias, tivemos uma conjunção positiva, como os programas de transferência de renda do governo, a continuação da melhoria do mercado de trabalho e os juros que foram, em média, mais baixos que em 2023”, diz a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Para 2025, no entanto, o cenário já deve ser diferente. Especialistas esperam que a economia brasileira passe por uma desaceleração e afirmam que a atual política de gastos do governo pode comprometer um resultado sustentável da economia. A política fiscal, dizem, é o maior desafio para 2025.
“O Banco Central está trabalhando para tentar conter a inflação [elevando juros], mas a política fiscal não está conseguindo ajudar. Pelo contrário, está fazendo papel de aumentar mais o gasto, e isso está atrapalhando o trabalho do BC”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Especialistas afirmam que atual política de gasto público do governo pode comprometer resultado sustentável da economia
Resultado da indústria impulsiona atividade
A alta de 3,4% representa o quarto resultado positivo seguido do PIB em bases anuais, e a maior taxa desde 2021. Os números mostram uma leve aceleração em relação 2023, quando a atividade econômica brasileira cresceu 3,2%.
Parte do que explica esse resultado é o bom desempenho da Indústria em 2024, que foi influenciado pela forte melhora da Construção e da Indústria de Transformação — aquela que transforma a matéria-prima em um produto final ou intermediário. A produção nesses tipos de fábricas cresceu 3,8%, após dois anos consecutivos de queda.
Evolução do PIB brasileiro ano a ano, até 2024
g1
Esse foi o segundo melhor resultado da Indústria em 13 anos (veja abaixo). O avanço só não foi maior do que o registrado em 2021, quando parte da produção foi retomada, após os longos períodos de fechamento da economia no ano anterior, em meio à pandemia de Covid-19.
Especificamente nas fábricas de transformação, o resultado foi o melhor desde 2010, com desempenho positivo idêntico ao de 2021. Destaque, justamente, para a fabricação de máquinas e itens elétricos e eletrônicos. E, em especial, para a produção de automóveis, que disparou.
Conforme mostrou o g1, a fabricação de veículos novos cresceu 10,7% em 2024. Foram produzidas 2,574 milhões de unidades, contra 2,325 milhões do ano anterior, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Os números, claro, acompanharam as vendas, que cresceram 15% em 2024 entre os veículos novos — maior alta percentual do setor desde 2007. Ao todo, foram emplacados 2,654 milhões de veículos leves e pesados em 2024, contra 2,309 milhões em 2023.
O bom momento se refletiu nas concessionárias. A Eurobike, rede especializada em veículos premium no Brasil e com marcas como Audi, BMW e Porsche no portfólio, registrou um aumento de 10% no volume de vendas em 2024, segundo Henry Visconde, presidente do grupo.
“Foi um momento propício. As pessoas estavam mais animadas, os financiamentos estavam bons”, diz. “Fomos muito bem, especialmente no segundo e no terceiro trimestre. Além de a economia ter andado melhor, sem tanto ruído, o lançamento de produtos colaborou muito.”
Concessionária Audi Center Goiânia.
Júnior Behrens/Eurobike
Visconde destaca que o segmento de carros de luxo foi o que mais cresceu, confirmando uma tendência reportada pelo g1 em maio do ano passado.
Além do sucesso dos importados, houve uma onda de otimismo por parte das montadoras entre o fim de 2023 e o início de 2024. Marcas anunciaram grandes investimentos na indústria automotiva brasileira, com valores que, somados, chegam a cerca de R$ 130 bilhões até 2033.
Emprego e crédito impulsionaram indústria em 2024
Economistas consultados pelo g1 destacam que os bons resultados do setor são consequência, principalmente, do mercado de trabalho aquecido.
Em 2024, a taxa média de desemprego do Brasil caiu para 6,6%, menor nível da história. A população desocupada média foi de 7,4 milhões de pessoas, uma redução de 13,2% em relação a 2023 (8,5 milhões).
Quando há um maior número de pessoas empregadas, o resultado é um aumento da massa salarial — ou seja, mais dinheiro em circulação —, incentivando o consumo e, consequentemente, a intenção de produção pelas empresas.
Esse movimento foi percebido ao longo de 2024, quando os brasileiros tiveram uma renda média real de R$ 3.225 ao mês, valor 3,7% maior do que o estimado no ano anterior. Frente a 2012, início da série histórica do IBGE, o aumento foi de 10,1%, já descontada a inflação.
O economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, explica que o bom momento da indústria também é marcado por uma demanda reprimida, já que o Brasil registrou, por muitos anos, taxas de desemprego elevadas e níveis de consumo mais baixos.
“Isso, aliado ao mercado de trabalho aquecido e a uma melhora no ambiente regulatório de crédito — que deu mais garantias aos emprestadores —, ajudou a sustentar essa procura por bens de maior valor agregado”, diz.
O economista cita medidas de incentivo ao crédito adotadas pelo governo federal, como o marco legal das garantias, sancionado no final de 2023. A lei, que atualizou as regras para o uso de bens como garantia de empréstimos, foi criada justamente com o objetivo de reduzir taxas de juros, aumentar a oferta de crédito e, assim, incentivar o consumo.
Somou-se a isso a sequência de cortes da taxa Selic, entre o segundo semestre de 2023 e o primeiro semestre de 2024, pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC).
A taxa básica de juros do país, que era de 13,75% ao ano em junho de 2023, caiu para 10,50% ao ano em maio de 2024, dando certo alívio às taxas praticadas no mercado e garantindo mais fôlego à economia.
“A queda da Selic certamente colaborou com o desempenho da indústria no ano passado”, afirma Cláudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do FGV Ibre. “Você reduz o custo, especialmente para a compra de bens duráveis, que são vendidos a crédito.”
Vale destacar, no entanto, que alguns economistas já ponderam a falta de espaço nas contas públicas para que os estímulos fiscais continuem acontecendo, em meio ao déficit bilionário do governo e a alta dívida do setor público
Esse quadro, dizem, deve desacelerar a economia em 2025, tanto por uma acomodação natural da atividade — que, agora, não deve contar com tantos estímulos fiscais —, como pelos juros mais altos indicados pelo BC para tentar controlar a pressão inflacionária.
Mais investimento — e faturamento
Além de ajudar o consumidor na ponta, o alívio nos juros também colaborou com a indústria, que passou a ter um investimento mais barato.
“Esses investimentos aumentaram muito, principalmente em máquinas e equipamentos”, diz Considera.
A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador que mede o quanto as empresas aumentaram seus bens de capital, avançou 7,3% em 2024, um salto em relação à queda de 3% em 2023 — dado que preocupou economistas e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A FBCF é importante porque representa o fluxo de dinheiro para aquisição ou reposição de bens, com objetivo de aumentar a capacidade produtiva dos negócios. É o que garante maior produtividade e permite que a economia cresça sem que haja pressão sobre a inflação.
Os maiores investimentos e a melhora na produção colaboraram também com o faturamento real da indústria de transformação, que cresceu 5,6% em 2024, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“A demanda por bens industriais foi forte ao longo de 2024, estimulada por um mercado de trabalho aquecido, pela expansão fiscal [gastos do governo] e pelo aumento das concessões de crédito”, avaliou o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.
“A combinação desses impulsos manteve o consumo e o investimento fortes, o que se refletiu no faturamento”, acrescentou.
Dados do BC mostram que o crédito ampliado às empresas avançou 18,7% em 2024, enquanto o crédito às famílias teve uma expansão de 10,6%.
Inflação, consumo e crescimento ‘disseminado’
Do ponto de vista do consumo, outro fator que colaborou com o maior ímpeto da população para a compra de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, foi a inflação, destaca André Galhardo, da Análise Econômica.
Apesar de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter fechado 2024 em 4,83% — e, assim, ter estourado o teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) —, o resultado veio abaixo da média inflacionária dos últimos 10 anos, de 5,8%, pontua o economista.
O histórico das metas de inflação
Arte g1
“A inflação do ano passado não foi baixa. Boa parte do aumento dos preços ficou concentrado em itens, produtos e serviços que oneram as famílias mais pobres, como alimentos e energia”, diz.
“Apesar disso, 4,83% é um nível relativamente baixo para o histórico do Brasil”, acrescenta Galhardo, destacando que o cenário abriu espaço dentro do orçamento de algumas famílias para a compra de produtos de bens de maior valor agregado.
Dados compilados pelo FGV Ibre mostram que o consumo de itens de bens duráveis disparou 11,4% em 2024, o maior salto entre os componentes que fazem parte do Consumo das famílias dentro do PIB. Em seguida, ficaram os produtos semiduráveis, com alta de 6,4%.
Veja abaixo.
Os economistas ouvidos pelo g1 destacam que a melhora nos dados da indústria e do comércio se traduz também em um crescimento mais disseminado entre as atividades produtivas do país, com reflexos positivos para a economia.
Claudio Considera, do FGV Ibre, lembra que a alta de 3,2% do PIB em 2023 foi puxada pelo resultado recorde da agropecuária — o que, naquele ano, ajudou no desempenho dos serviços e da indústria (por meio da produção de alimentos).
Em 2024, apesar da safra ainda muito boa, houve recuo de 3,2% no setor e o cenário se inverteu.
“O agro novamente impactou a indústria e os serviços. Mas não foi determinante, como ocorreu em 2023. Dessa vez, o crescimento foi muito mais disseminado, com destaque para indústrias da transformação e construção.”
Galhardo, da Análise Econômica, destaca que boa parte do crescimento econômico do país em 2023 esteve concentrado no primeiro semestre do ano, em função da agricultura. Já o avanço de 2024 foi forte ao longo de todo o ano.
“Estar mais disseminado entre as atividades produtivas significa um nível de salário maior e uma maior capacidade de crescimento por períodos mais prolongados. Ou seja, um crescimento mais sustentado”, diz. “Representa uma alta melhor do ponto de vista qualitativo.”
O que esperar pela frente?
Para o economista, 2025 será um ano “mais desafiador”, diante de juros mais elevados. Em setembro do ano passado, o Copom iniciou um ciclo de altas da Selic, que chegou a 13,25% ao ano na última reunião, em janeiro.
Além disso, novas altas são esperadas para os próximos meses. A expectativa do mercado financeiro é que a taxa chegue a 15% neste ano, o que tende a piorar o acesso ao crédito por empresas e consumidores.
“Se o crédito foi um instrumento importante para o aumento do consumo e vai ficar mais caro em 2025, devemos ter uma situação mais complicada neste ano. Isso, combinado com incertezas políticas, na véspera da disputa eleitoral, afeta os níveis de investimentos”, diz Galhardo.
Claudio Considera, do FGV Ibre, classifica 2025 como um “ano confuso”. Ele atribui o termo à guerra comercial, aberta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e que tem gerado dúvidas sobre a aplicação de tarifas sobre produtos brasileiros, como o aço.
Para o economista, toda “essa bagunça” no comércio internacional dificulta as exportações e causa “reveses” nas importações.
“Apesar de crescer menos, ainda vamos crescer neste ano”, diz. “Estamos à beira do abismo, mas nem tanto”, finaliza.
Por fim, o quadro fiscal também aparece como uma preocupação. Isso porque ao mesmo tempo em que o governo tem tentado equilibrar as contas públicas — como por meio do pacote de cortes anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad no ano passado —, também há medidas que vão na contramão do controle fiscal.
É o caso, por exemplo, das medidas recentemente anunciadas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, para tentar baixar o preço dos alimentos. As propostas foram baseadas em zerar a tarifa de importação para uma lista de alimentos, o que pode resultar em uma queda da arrecadação.
“A gente precisa tirar a lenha dessa fogueira para ajudar a desacelerar a economia. O Banco Central está fazendo isso, está colocando água nessa fogueira, que é a taxa de juros. Só que o governo, do outro lado, está colocando mais lenha”, afirma Vale.
“Se a gente não desacelera agora, vai ser pior lá na frente”, completa o economista.
Economia brasileira cresce 3,4%, em 2024