
O Fantástico conversou com Igor Carvalho e Thiago Marques Gonçalves, jovens confundidos com assaltantes que se jogaram de um viaduto para escapar de um ataque a tiros feito por um PM reformado. Carlos Alberto de Jesus, PM reformado que baleou Igor Carvalho
Reprodução
Policial militar reformado, Carlos Alberto de Jesus fez disparos de arma de fogo contra a moto em que estavam o estudante Igor Carvalho (na garupa), de 31 anos, e o motorista de aplicativo Thiago Marques Gonçalves, de 24. Os dois foram confundidos com assaltantes em 23 de fevereiro.
André Rios, advogado de Carlos, disse ao Fantástico que seu cliente estava atendendo a um pedido de ajuda de Josilene da Silva Souza, namorada dele que teria sido assaltada na região. “Ele é policial da reserva remunerada… Entretanto, o policial da reserva remunerada, ele responde como policial fosse”.
“Ele deu voz de parada: ‘Parem, é a polícia, parem’. Eles não obedeceram à voz de parada, fizeram o movimento brusco que leva a crer, que poderia sacar uma arma. Naquele momento, ele achou melhor agir para preservar a sua própria vida e a de terceiros.”
Josilene fez dois depoimentos à polícia. Primeiro, ela disse ter sido roubada por um homem armado, de camisa amarela, na garupa de uma moto. Ela reconheceu Igor como o assaltante, e disse que ele havia sacado uma arma contra seu rosto. Afirmou também que Thiago teria feito disparos de arma de fogo durante a abordagem de Carlos Alberto.
No dia seguinte, porém, ela fez outro depoimento. Josilene afirmou ter visto um volume na cintura de Igor e que, por isso, deduziu se tratar de uma arma.
Carlos Alberto também se contradisse sobre Igor estar armado. “No calor da emoção, devido às circunstâncias, eles podem ter afirmado uma coisa que não viu, mas logo em seguida, tá, essa questão, ela foi corrigida”, afirma seu advogado.
Estudante baleado e motoqueiro de aplicativo preso injustamente contam como foram perseguidos por PM reformado
Igor e Thiago
“Eu só quero voltar a ser feliz”, disse Igor Carvalho ao Fantástico, ao contar detalhes da noite em que foi baleado.
Aos 31 anos, Igor é estudante de jornalismo e publicidade. Quando ele foi baleado, estava voltando trabalho. Por dez horas, tinha sido garçom de uma casa de samba da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Era 1h da madrugada quando ele foi embora e solicitou uma moto por aplicativo. O motorista que chegou foi Thiago Marques Gonçalves, de 24 anos.
Thiago e Igor foram confundidos com assaltantes e se jogaram de um viaduto para escapar de um ataque a tiros feito por um PM reformado.
O que eles lembram
“Eu olhei pelo retrovisor e vi um carro vindo daquela direção em alta velocidade. Eu abri passagem para ele… Ele pareou do nosso lado e diminuiu a velocidade. Aí eu vi o momento em que ele botou o revólver para fora, eu falei: ‘Deve ser uma tentativa de assalto'”, diz Thiago ao lembrar da cena. “Quando eu ouvi o disparo, eu me joguei no chão. Ali mais ou menos. Me joguei no chão, foi onde eu e o Igor caímos.”
Igor completa a lembrança: “Ele tentou atirar mais de uma vez. Quando saiu esse tiro, eu senti uma queimação aqui atrás, o motoqueiro, ele ficou desesperado em si. Ficou desesperado e a moto caiu. A gente percebeu que o farol do freio ligou e da marcha ré também. A gente falou: ‘Cara, ele vem atrás da gente. Vamos correr’.”
Thiago decidiu, então, pular do viaduto ao lado, que tem quatro metros de altura. Igor o acompanhou: “Falei: ‘Ô, Tiago, não me abandona. Não me abandona, não, porque senão eu vou morrer. Não me abandona. Por favor, não me deixa aqui’. E ele falou: ‘Não, cara, eu não vou te abandonar. Eu vou ficar contigo até o final’. E ficou também aquele clima de desconfiança. ‘O que tu fez para esse cara?’ ‘Po, Tiago, eu não fiz nada. Mas e tu? O que você fez?’. ‘Eu também não fiz nada’.”
Pouco tempo depois, os dois perceberam que Igor estava baleado. Muito sangue escorria de seu corpo. Ele ligou para dois colegas de trabalho, que rapidamente chegaram para socorrê-lo. Enquanto isso, Thiago viu alguns carros de polícia e foi buscar ajuda. Nesse momento, reconheceu o autor dos disparos junto aos policiais.
“Me levaram para a delegacia”, explica Thiago. Ele ficou preso por dois dias acusado de roubo. “Eu sou pai de duas crianças, trabalhador. Trabalho desde os meus 13 anos de idade. E eu sou isso aí. Sou trabalhador, sou sobrevivente, acima de tudo. A gente quer que o cara que causou isso tudo pague pelo que ele fez. Porque eu paguei por algo que ele fez. Eu fiquei preso.”
Internado em um hospital, Igor descobriu que estava sob custódia de dois agentes policiais, também acusado de roubo. “Qual crime eu cometi? Crime de trabalhar? O crime de ser preto? O crime de estar em cima de uma moto de madrugada? Eu não entendi o porquê. Não entendi.”
Depois de tudo
A Polícia Militar do Rio, em nota, esclareceu que Carlos Alberto está aposentado desde 2020 e não possui arma da corporação. Afirma ainda que o caso está em investigação na corregedoria. Já a Polícia Civil disse em nota que investiga a responsabilidade de Carlos Alberto Jesus e de Josilene da Silva Souza pela comunicação do crime e pelas inconsistências na prestação dos depoimentos.
Em nota, o Instituto de Defesa da População Negra diz: “A defesa entende que o caso Igor Melo deve mudar a história como pessoas acusadas injustamente são tratadas pelo Estado. Buscaremos a responsabilização de todos os envolvidos, reparação ao Igor e faremos um projeto de lei a fim de assegurar indenizações justas às pessoas acusadas injustamente pelo Estado”.
Thiago está sem trabalhar desde que foi preso. Ele perdeu o celular no dia do tiro e precisou mandar a moto para o conserto.
Já Igor perdeu um rim e passou por uma cirurgia para reparar o estômago e a musculatura das costas. Ele também está em tratamento psiquiátrico.
“Fisicamente, graças a Deus, eu vejo que eu tô muito bem. Muito bem mesmo. Mas psicologicamente, acho que a reconstrução vai ser muito grande ainda. E muito árdua”, afirma Igor. Eu sinto que eu nasci pra ser jornalista. Eu vou conseguir. Eu sou muito alegre e muito feliz. Eu acho que agora o meu maior medo, assim, é… Eu espero que não, mas é perder essa alegria.”
Além de garçom, ele também é inspetor na faculdade onde estuda e participa de transmissões esportivas online.
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