
O sedentarismo aumenta o risco de depressão enquanto a prática regular de atividade física diminui o risco de incidência da doença. Exercício ajuda na depressão? Padre faz sermão para sedentários e viraliza
“Você nunca viu alguém que está andando de bicicleta e termina triste”, alerta o padre Chrystian Shankar, de Divinópolis (MG) em um sermão que viralizou nas redes sociais. Com mais de 3 milhões de seguidores, o religioso teve o trecho de uma pregação transformado em alerta contra a depressão.
“(…) Aí você está em casa sentado no sofá, lendo bula de remédio e assistindo jornal. Aí na hora de deitar você põe touca e vai ouvir Renato Russo. É para acabar com tudo! É pra morrer. Cuidado! Nós temos que nos movimentar. Exercício cura depressão se a origem for essa”, afirma o padre.
Não há dúvidas de que o exercício físico faz bem para a saúde, mas o que a ciência diz sobre a atuação específica contra a depressão? O g1 conversou com psiquiatras e com o próprio Chrystian para apontar como a atividade física pode ser parte fundamental na estratégia de tratamento.
Trechos de vídeo de padre com sermão para sedentários e viraliza
Reprodução
Padre desenferrujado
Em entrevista ao g1, o padre de 49 anos conta que faz atividade física cinco vezes por semana – principalmente caminhada e musculação – e que sempre gostou de se exercitar, desde a época do seminário.
Com uma rotina intensa, a atividade física é um dos poucos momentos que ele diz poder chamar de “seu”. O padre conta ainda que observa melhoras significativas em quem começa a se movimentar, porque “o ser humano é como uma máquina: se ficar parado, enferruja”.
“A atividade física é uma verdadeira válvula de escape para mim. Mesmo sendo cansativo, o bem-estar depois do treino compensa tudo. Ajuda muito no meu sono, pois tenho dificuldade para dormir. E percebo que, nos dias em que treino, descanso melhor. Também sinto mais disposição para as atividades da Igreja e me sinto mais feliz”, afirma o padre Chrystian Shankar.
Apoio no tratamento da depressão
A depressão é um quadro que pode ter excelentes respostas, se tratada adequadamente, e mais de 70% dos casos são tratados em nível ambulatorial, sem necessidade de internação. Além disso, o exercício físico pode fazer parte do tratamento para a depressão, junto com medicação, terapias e adoção de uma dieta equilibrada.
Estudos epidemiológicos com amostras populacionais mostram que o sedentarismo aumenta o risco de depressão enquanto a prática regular de atividade física diminui o risco de incidência da doença.
Pacientes deprimidos tendem a ser mais sedentários que a população geral e é preciso conhecer as preferências deles para implementar lentamente um programa adequado de exercício físico.
“A prescrição ideal é a prática de exercício moderado ou intenso por no mínimo 150 minutos por semana. Se formos muito ambiciosos, os pacientes não aderem e abandonam a prática. E a adesão e motivação dos pacientes é essencial. Temos que ter flexibilidade e saber prescrever o exercício de forma personalizada e progressiva”, comenta o psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da USP Beny Lafer.
Diminuição do risco
Diversos estudos apontam que o exercício físico é eficaz para depressão, principalmente em quadros leves e moderados. Mas especialistas destacam que é difícil motivar o paciente para exercício físico na crise aguda e a evidência não é tão robusta para casos graves.
Um estudo norueguês com uma amostra de 33.908 indivíduos apontou que uma hora de atividade física por semana já é suficiente para reduzir o risco de depressão.
Nos EUA, outro estudo apontou que pessoas fisicamente ativas têm redução de 25 a 38% no risco de terem depressão, quando comparadas a pessoas que não se exercitam regularmente.
O psiquiatra Marcelo Allevato, diretor da Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), alerta que a adesão completa a tratamentos é sempre uma questão crítica, seja por disciplina, negação da doença, falta de confiança no tratamento ou até preconceito. E que o médico precisa fazer um trabalho de convencimento, mostrando inclusive dados de estudos.
Um grupo pesquisadores da USP mostrou que a atividade física regular e estruturada em 3 sessões de 60 minutos por semana tem efeito antidepressivo significativo quando associado ao tratamento farmacológico – tanto na depressão como no transtorno bipolar.
Um estudo da universidade mostrou que a melhora de 50% da depressão já era evidente a partir da quarta semana e se sustentou até 16 semanas do ensaio clínico. Mas são necessários mais estudos de longo prazo (um ano ou mais) e esses são custosos e raros na literatura, segundo Lafer.
Uma metanálise que combinou resultados de 41 estudos, publicada em 2023 e com 2.264 pacientes com depressão, mostrou que o exercício físico (principalmente aeróbico) tem um efeito antidepressivo significativo.
Lafer acrescenta que a maior parte das diretrizes para o tratamento da depressão incluem apenas medicamentos e psicoterapia, mas o exercício é eficaz neste tratamento.
“As evidências são mais robustas para o aeróbico, mas também existem estudos com treinamento resistido (musculação), que também têm efeito antidepressivo. Nesse sentido, a prática de exercício deve ser incorporada nas diretrizes internacionais de tratamento da depressão, principalmente nos casos de intensidade leve e moderada”, defende Lafer.
O professor Ricardo Alberto Moreno, coordenador do Programa de Transtornos Afetivos (Gruda) do Instituto de Psiquiatria da USP, acrescenta que o exercício físico para auxiliar no tratamento da depressão precisa ter resposta cardiopulmonar (respiratória e cardíaca) e que estilos de vida saudáveis são favoráveis e incluem: dieta, hábitos saudáveis de sono, exercícios físicos, aprender a lidar com stress, manter relacionamentos afetivos (familiares e amigos), entre outros. E isto vale para todas as doenças mentais e clínicas não psiquiátricas.
Atualmente, 25% dos brasileiros têm, tiveram ou terão depressão. Dados da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, indicam que, em 2021, 11,3% dos brasileiros tinham a doença. Antes da pandemia, este índice era de 5,8%. Das 10 causas de afastamento de trabalho, cinco são relacionadas a doenças mentais.
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