Três moradoras de Rio Preto (SP), Araçatuba (SP) e Penápolis (SP) têm algo em comum: enfrentaram momentos difíceis durante o isolamento social e passaram a lidar com os problemas de forma diferente. Há cinco anos, o Brasil e o mundo enfrentavam um dos momentos mais difíceis da história. A pandemia de Covid-19 mudou completamente a rotina das pessoas. Muitas foram privadas de trabalhar e de circular pelas ruas, enquanto outras sofreram as consequências da doença e perderam amigos e familiares. Profissionais de saúde se arriscaram para salvar pacientes em estado grave.
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Nesta semana, o g1 publicou uma série de reportagens especiais sobre diversos temas relacionados ao isolamento social e às consequências do coronavírus ao longo desses 60 meses.
Entre lutas, perdas e desafios, ficaram lições que jamais serão esquecidas. A forma de enxergar a vida e os problemas ganhou outro significado para Michelle Cristine Faria Corticeiro, auxiliar de enfermagem em São José do Rio Preto (SP).
Michelle Corticeiro, auxiliar de enfermagem de São José do Rio Preto (SP), tinha um diário durante a pandemia
Reprodução/TV TEM
Ela começou a escrever um diário no qual registrava suas emoções, desafios e tragédias enfrentadas enquanto atuava diretamente no combate à pandemia de Covid-19. Em entrevista à TV TEM, Michelle compartilha os impactos desse período, que, segundo ela, deixou marcas irreparáveis em sua vida.
Ao revisitar as páginas de seu diário, Michelle relembra os sentimentos de medo, angústia e tristeza vividos durante aquele período: “Eu nem leio mais”, revela, explicando que os registros ficaram guardados, já que cada palavra resgata um tempo muito difícil para ser revivido.
Michelle Corticeiro, auxiliar de enfermagem de São José do Rio Preto (SP), tinha um diário durante a pandemia
Reprodução/TV TEM
Trabalhar no hospital foi, para Michelle, um constante enfrentamento de situações inesperadas. “A gente chegava e cada dia era diferente. Eu mesma fiquei em uma área que não era minha”, diz, lembrando da flexibilidade exigida pelas circunstâncias.
Naquela época, o simples ato de se paramentar para o trabalho era extremamente desgastante, já que os equipamentos tornavam os profissionais de saúde quase irreconhecíveis. “Eu precisava me paramentar inteira; a nossa roupa nem entrava no hospital, a gente nem reconhecia as pessoas”, lembra.
O momento mais difícil, segundo Michelle, foi perceber que havia pouco a ser feito diante da situação. A escassez de insumos, a falta de vacinas e o desconhecimento sobre o vírus tornaram a rotina ainda mais desoladora. “A gente tratava como se fosse uma gripe normal”, conta. Michelle também destacou a angústia causada pelo isolamento social.
“A gente assistia ao jornal e falava em 30 dias, em 60 dias, em 90 dias, e, quando a gente viu, passou um ano, e a gente ainda não sabia como tratar o vírus. Acho que isso foi o mais difícil”, relata.
Michelle Corticeiro, auxiliar de enfermagem de São José do Rio Preto (SP), tinha um diário durante a pandemia
Reprodução/TV TEM
Entre os diversos pacientes que atendeu, houve alguns casos que marcaram a profissional profundamente. “Teve uma paciente que me pediu para comprar um bombom. Eu levei, ela comeu, mas, em poucos dias, ela já não estava mais na UTI. Eu não a vi mais. Aquilo me marcou muito”, conta.
A pandemia também trouxe lições importantes para Michelle, que hoje valoriza ainda mais a vida e o respeito ao próximo. “Acho que amar mais, respeitar mais o próximo. Quem não vive assim hoje, não respeita os outros, não é gentil, não aprendeu a cuidar da família, não aprendeu nada”, afirma.
Cinco anos depois, Michelle, como muitos outros profissionais de saúde, ainda carrega as cicatrizes dessa experiência. Para ela, certos problemas se tornaram irrelevantes diante da gravidade da pandemia. “Às vezes, eu e meu marido temos algum problema e eu falo: ‘cara, esse é um problema muito pequeno’. A gente não está vivendo aquela época de novo, pode ser qualquer coisa”, compartilha.
Michelle Corticeiro, auxiliar de enfermagem de São José do Rio Preto (SP), tinha um diário durante a pandemia
Reprodução / TV TEM
Seu diário é o registro do que foi vivido e uma memória da resistência de todos aqueles que, como ela, enfrentaram o desconhecido com coragem e determinação.
“Quem realmente viveu de perto, de você olhar para um paciente hoje, conversar com ele e amanhã você não o achar mais, sabe como é”, conclui.
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Luta pela vida
Jornalista Corina Batajelo, de Araçatuba (SP), ficou entre a vida e a morte durante a pandemia
Arquivo pessoal
A pandemia também deixou marcas na vida da jornalista Corina Batajelo, de 46 anos, moradora de Araçatuba (SP).
Ela começou a apresentar os primeiros sintomas da doença no dia 21 de novembro de 2020. À época era pré-diabética, obesa e hipertensa. Ao receber o diagnóstico e ver tantas pessoas morrendo, Corina não tinha perspectiva de sobreviver.
Após ficar cinco dias fazendo tratamento em casa, ela foi encaminhada ao hospital em estado grave, e permaneceu 30 dias internada, sendo 27 deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Mesmo após apresentar melhoras, ela não conseguia respirar sem a ajuda de aparelhos e teve a coordenação motora comprometida.
Ao g1, Corina conta que chegou a pensar que não resistiria, além de ter ficado emocionalmente abalada. Depois de receber alta, ela teve que se adaptar à nova rotina de vida.
“Fui para casa e fiquei 60 dias respirando com ajuda de oxigênio. Meu pulmão esquerdo estava com fibrose e minha saturação estava baixa. Fora a parte motora, que foi bem afetada. O que me ajudou na reabilitação foi a fisioterapia pulmonar e motora”, conta.
Jornalista Corina Batajelo, de Araçatuba (SP), ficou entre a vida e a morte durante a pandemia
Arquivo pessoal
Como parte do processo de recuperação, ela definiu que iria viver um dia de cada vez, mantendo a fé. Foram seis meses até conseguir estabelecer uma rotina semelhante à de qualquer outra pessoa. O apoio de amigos e familiares também foi fundamental.
“Sou muito grata a Deus por essa oportunidade, pois ver a morte de tão perto é assustador. Aprendi a dar mais valor aos pequenos gestos e a intensificar os cuidados com a saúde”, conta.
Restabelecida, Corina decidiu mudar os hábitos para ter melhor qualidade de vida. Mudou a alimentação e começou a praticar atividade física moderada. O excesso de peso a fez passar por uma cirurgia bariátrica. O procedimento foi realizado em fevereiro de 2024.
Jornalista Corina Batajelo, de Araçatuba (SP), ficou entre a vida e a morte durante a pandemia
Arquivo pessoal
“Comecei a batalha na luta contra a obesidade e, em 16 de fevereiro de 2024, consegui realizar a cirurgia bariátrica pelo SUS em Marília. A Covid foi a virada de chave para algumas questões na minha vida. Hoje, cinco anos depois desse pesadelo e um ano da cirurgia bariátrica, tenho uma rotina de vida mais leve, priorizo o que me faz bem”, conta.
Atualmente, a jornalista já perdeu 47 quilos e está com o índice de massa corporal considerável, segundo critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. Se pudesse voltar no tempo, ela diz que faria tudo novamente.
“Sou grata por respirar e por não ter mais sequelas no pulmão. Saúde física e mental, pois o meu psicológico ficou devastado com tudo o que passei”, finaliza.
Jornalista Corina Batajelo, de Araçatuba (SP), ficou entre a vida e a morte durante a pandemia
Arquivo pessoal
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Perdas, dor e saudade
A comerciante Rosângela Librazi, de 64 anos, natural de Penápolis (SP), perdeu o pai, a mãe, o marido e um tio por conta da Covid 19. Os quatro morreram em 2021, no intervalo de 40 dias. Após cerca de cinco anos, ela reconhece que aprender a lidar com a morte, a dor e a saudade se tornou uma tarefa diária.
Devido à fase crítica da pandemia, ela não pôde velar os corpos do tio e da mãe. Com isso, o processo de aceitação foi mais lento e doloroso.
“Nas mortes da minha mãe e do meu tio, quando eles faleceram, ainda estavam com o vírus, que poderia ser transmitido. No caso da minha mãe, eu não sei como ela foi vestida. Falaram que ela estava dentro de um saco preto. Eu não sei como que foi, isso me revolta”, declara ao g1.
Comerciante Rosângela Librazi, de Penápolis (SP), perdeu quatro pessoas da família durante a pandemia de Covid 19
Felipe Nunes/TV TEM
Para ela, perder pessoas que amava em um intervalo médio de uma semana foi um verdadeiro pesadelo. Rosângela lembra que, naquela época, muitas pessoas discutiam sobre a eficiência da vacina, levantando questões relacionadas aos laboratórios que produziam os imunizantes. No entanto, o que mais importava para ela era ter tido a oportunidade de conviver com os familiares por mais tempo.
A comerciante ainda revela que, por trabalhar com atendimento direto ao público, em muitas situações recebeu clientes que não utilizavam a máscara de proteção e imaginavam que a Covid era uma “simples gripe”.
Se pudesse voltar no tempo, ela diz que gostaria de ter ajudado mais os parentes, mas reconhece que, na época, se sentia impossibilitada.
“Eu daria tudo para voltar e conseguir a cura, ter salvado essas pessoas, não só os meus familiares, mas todos que se foram: os amigos, as pessoas, os pais de famílias, as crianças”, reforça.
Depois de ver a casa vazia, a comerciante encontrou na fé uma forma de se reestruturar emocionalmente. Aos que renegaram e ainda não acreditam na gravidade da doença, ela deixa um conselho que já é antigo e conhecido por muitas pessoas, mas que deve ser seguido por todos:
“Se cuidem, não fiquem muito próximo das pessoas, se protejam o máximo que puderem, evitem. ‘Ah, mas eu não vou pegar’. Isso é mentira, porque pega, sim, e é muito grave essa doença”, finaliza a comerciante.
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*Colaborou sob supervisão de Henrique Souza
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