No Recife, 84% das mulheres sentem muita insegurança em se deslocar e 63% já sofreram violência no caminho, diz pesquisa


Levantamento ouviu 350 mulheres que se deslocam na capital pernambucana. Apenas 25% das entrevistadas recifenses andam a pé pela cidade. Ônibus é principal modelo de transporte utilizado pelas mulheres no Recife
Reprodução/TV Globo
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva mostrou que 84% das mulheres que se deslocam pelo Recife sentem muito medo de que algo aconteça com elas durante o trajeto pela cidade e 63% já sofreram alguma violência durante o deslocamento.
O levantamento ouviu 4.001 mulheres em todo o Brasil entre os dias 21 de junho e 11 de julho deste ano. No Recife, 350 mulheres acima de 18 anos responderam à pesquisa “Vivências e demandas das mulheres por segurança no deslocamento”.
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Desse total, 36% responderam que não acham as ruas do Recife seguras para o deslocamento das mulheres, enquanto 53% disseram que é um pouco seguro, e 11% acham as ruas muito seguras.
A percepção de insegurança se reflete nos meios utilizados para a locomoção: apenas 25% das entrevistadas recifenses andam a pé pela cidade, menor taxa entre as nove capitais em que o estudo foi realizado. Em São Paulo, por exemplo, o percentual é de 43%.
Meios de transporte utilizados para deslocamento por mulheres no Recife:
Ônibus: 61%
Carro por aplicativo: 34%
A pé: 25%
Carro particular: 21%
Moto por aplicativo: 13%
Metrô: 10%
Moto particular: 6%
Bicicleta particular: 5%
Táxi: 3%
Trem: 2%
A estudante Amanda Karine Barbosa é uma das mulheres recifenses que têm o ônibus como principal meio de transporte na cidade e disse ao g1 que não se sente segura nos coletivos. Ela faz, ao menos, três viagens nos dias em que tem aula: de casa, na Zona Norte, para a universidade, na Zona Oeste; da aula para o estágio, no Centro; e do estágio de volta para casa.
“Já teve uma situação em que eu peguei um ônibus com a minha mãe, à tarde. Subiu um homem que mostrou a faca e falou: ‘Eu podia estar assaltando vocês, mas essa faca é só para me proteger. Me deem dinheiro que eu protejo vocês e vocês não vão ser assaltadas aqui’. Uma coisa absurda. Eu fiquei com muito medo, minha mãe também”, disse a estudante.
A pesquisa demonstrou também que a desigualdade social tem impacto na vida das mulheres pobres e negras, que usam mais o ônibus e caminham para se locomover pelas cidades brasileiras do que as mulheres com renda mais elevada.
No Brasil, apenas 31% das mulheres disseram que se sentem muito seguras se deslocando perto de suas casas. No Recife, a proporção cai para 20% e essa percepção é ainda menor entre as que moram nas periferias.
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No Recife, 84% das mulheres têm muito medo de sofrer alguma violência durante a locomoção pela cidade. Destas:
73% têm medo de sofrer assalto/furto/sequestro-relâmpago;
72% têm medo de ser vítima de estupro;
65% têm medo de ser importunada ou sofrer assédio sexual;
64% temem agressões físicas;
39% se deslocam com medo de receber olhares insistentes e cantadas inconvenientes;
37% temem preconceito ou discriminação por alguma característica sua (exceto raça/cor);
34% têm medo de sofrer racismo (entre as mulheres negras).
O medo encontra fundamento nas estatísticas. Entre as mulheres que se deslocam pelo Recife, 63% já foram vítimas de alguma violência durante o trajeto.
34% receberam olhares insistentes ou cantadas;
32% sofreram um assalto/furto/sequestro-relâmpago;
17% foram vítimas de importunação sexual;
14% sofreram preconceito ou discriminação por alguma característica sua (exceto raça/cor);
7% passaram por racismo;
3% foram estupradas.
Amanda Karine contou ao g1 que também já presenciou uma situação de assédio dentro de um ônibus. De acordo com ela, o caso ocorreu em um horário habitualmente considerado mais seguro.
“Um homem passou a mão na bunda de uma mulher, só que ela começou a reclamar e ele desceu. Não foi à noite, foi no começo da tarde. A qualquer momento, pode acontecer qualquer coisa”, afirmou a estudante.
Ausência de políticas públicas
Ao responderem à pesquisa, as mulheres disseram perceber que a sensação de insegurança está ligada à ausência de políticas públicas que poderiam proporcionar um deslocamento mais seguro. A falta de policiamento e ruas desertas foram os fatores mais citados pelas entrevistadas para a sensação de insegurança.
Na percepção das entrevistadas, os fatores que contribuem para a sensação de insegurança ao se deslocarem dentro da cidade são:
Ausência de policiamento: 59%
Ruas desertas e vazias: 49%
Falhas no transporte público: 43%
Espaços público abandonados (parques, praças, construções): 43%
Falta de iluminação pública/ruas mal iluminadas: 41%
Falta de respeito/agressividade das pessoas: 40%
Falta de empatia/solidariedade das pessoas que presenciam alguma situação de violência contra as mulheres: 38%
Horário do deslocamento: 25%
Assistência
Outro dado relevante apontado pela pesquisa é que, das 71% entrevistadas brasileiras que já viveram alguma situação de violência nos deslocamentos, apenas 40% procuraram a polícia para registrar queixa, mesmo que 9 em cada 10 tenham conhecimento que importunação sexual é crime desde 2018.
No Recife, 87% das mulheres ouvidas sabem que importunação sexual é crime. Além disso:
71% dizem que conhecem canais de denúncia e acolhimento em caso de importunação sexual/assédio;
70% sabem que têm campanha de conscientização contra o assédio importunação sexual nos transportes ou nas ruas;
40% sabem do desembarque autorizado fora das paradas à noite e madrugada para mulheres, idosos, travestis e mulheres trans;
30% sabem de vagões exclusivos de mulheres nos trens e metrô.
Mesmo assim, para Amanda Karine, embora as mulheres saibam que os canais de acolhimento existem, as formas de acessá-los ainda são pouco divulgadas. Questionada, ela disse que não teria reação imediata caso sofresse uma situação de assédio.
“Eu não ia fazer nada, não conheço nenhum canal. Sei que existe, mas é pouquíssimo divulgado. Se hoje acontecesse alguma coisa comigo, dependendo do grau, talvez eu procurasse uma delegacia, mas não sei de alguma coisa que me daria uma rede de apoio imediata”, contou.
Sem a sensação de apoio, as mulheres ouvidas nacionalmente pelo estudo apontaram que evitam determinados locais e horários para reduzir as chances de serem vítimas de violência.
Para se protegerem nos deslocamentos, as mulheres brasileiras adotam os seguintes comportamentos:
97% evitam passar por lugares desertos;
90% escolhem onde vão sentar no transporte coletivo;
89% evitam sair à noite;
88% fazem uma parte do trajeto, que fariam a pé ou de ônibus, de carro ou moto por aplicativo por medo;
87% evitam determinados tipos de roupas e acessórios;
86% pedem para outras pessoas esperarem em casa e dão notícias quando chegam ao destino;
82% escolhem um caminho mais longo ou demorado, quando acham mais seguro;
3% sempre compartilham rotas com pessoa de confiança.
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